Ex-Secretário-Geral do Itamaraty, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães faz ampla e profunda análise da conjuntura política e social do Brasil no cenário nacional e internacional.
Artigo consta do dossiê Para onde vai o Brasil, do Le Monde Diplomatique Brasil, a quem agradecemos pela autorização da publicação.
Alternativas brasileiras
Por Samuel Pinheiro Guimarães*
Alternativa política
As alternativas brasileiras constituem um complexo de desafios políticos, econômicos, sociais e internacionais que não podem ser bem compreendidos nem enfrentados se não se reconhecer sua inter-relação.
O principal desafio do desenvolvimento brasileiro é de natureza política.
A sociedade e o Estado brasileiros são o que são por causa da enorme concentração de poder político (fenômeno em que se deve incluir o controle, por poucas famílias, dos meios de comunicação de massa) em um número muito reduzido de indivíduos que têm o poder, por sua força econômica e política, de organizar a sociedade e o Estado em seu benefício.
Em um sistema social de democracia liberal conjugada a um regime capitalista, na esfera econômica o poder dos indivíduos para decidir o que se deve produzir e consumir depende do seu poder econômico, isto é, de sua riqueza, de sua renda.
No mercado, a cada unidade monetária corresponde um “voto”. Assim, o poder de decisão econômica de um milionário, hoje em dia chamado de modo eufemístico de investidor, de banqueiro ou de empresário, é incomensuravelmente maior do que o poder econômico de um indivíduo de classe média e ainda muito maior do que o de um trabalhador.
Todavia, neste sistema, na esfera da democracia liberal, cada cidadão, independentemente de sua riqueza, tem um voto. Porém, é o conjunto desses votos que vai escolher os cidadãos que vão elaborar as leis e executá-las, inclusive as leis que definem os parâmetros da atividade econômica, as medidas de sua execução e os programas do governo de aplicação dos tributos. Assim ocorre com as leis sobre a propriedade da terra, tributos, bancos e sistema financeiro, os programas sociais e de apoio (crédito, isenções, subsídios) às empresas etc.
Dessa forma, para as classes hegemônicas, de que participam os detentores da riqueza nacional, uma questão essencial é como transformar seu poder econômico em poder político.
Os debates sobre o voto obrigatório ou voluntário; o financiamento público ou privado das campanhas políticas; o caixa dois; o voto distrital, proporcional ou em lista; estão todos relacionados a essa discussão central, pois a questão jurídico-política da legislação eleitoral é fundamental para a definição do poder.
A concentração de poder político e econômico no Brasil decorre historicamente da escravidão, do sistema do latifúndio originado nas sesmarias, na Lei de Terras de 1850 e na concessão de terras devolutas, e da discriminação contra os pobres, os afrodescendentes e as mulheres, fatores esses que se perpetuaram e se perpetuam por meio de mecanismos jurídicos e políticos, tais como o perdão periódico das dívidas dos grandes proprietários rurais, a tributação regressiva, a leniência com a evasão de tributos, o parcelamento periódico de dívidas tributárias, os empréstimos agrícolas e industriais a juros altamente subsidiados, a violência policial, o voto (aberto) de “cabresto” até 1932, a influência do poder econômico nas eleições, a leniência com o oligopólio da mídia etc.
Até 1932, as mulheres não tinham o direito de voto; até 1985, os analfabetos, que eram cerca de 40% da população, não podiam votar; de 1964 a 1985, quando vivemos o regime civil-militar autoritário, nenhum brasileiro podia votar para presidente e governador e para muitas prefeituras, e milhares de políticos, sindicalistas, intelectuais, estudantes e militares de orientação política de esquerda tiveram seus direitos políticos cassados e muitos foram torturados e mortos.
Hoje, somente 10% do Congresso Nacional é composto por mulheres, sendo elas 51% da população; os representantes de trabalhadores urbanos e rurais não chegam a 20%, enquanto os afrodescendentes, na melhor das interpretações, não chegam a 10% do total dos parlamentares.
Enquanto isso ocorre, a “bancada” ruralista tem mais de duzentos integrantes, sendo numerosas as “bancadas” da saúde (representantes de donos de hospitais, empresas de saúde etc.), da educação (representantes dos donos de colégios e universidades privadas e religiosas) e das comunicações (representantes dos proprietários de rádios, televisões, jornais…).
O sistema político brasileiro está longe de ser democrático, visto que a população somente participa da administração do seu Estado por meio de eleições periódicas, influenciadas pelos diversos setores do poder econômico que financiam as campanhas de candidatos, que serão seus “representantes”, tanto para o Poder Legislativo quanto para o Poder Executivo. Após as eleições, os eleitores pouco ou nada podem participar do processo de elaboração de leis ou do processo de formulação e execução das políticas públicas. A organização das conferências nacionais, sobre os mais diversos temas, a partir do governo do presidente Lula, foi um passo importante para ampliar a participação popular na política, assim como foi um passo importante mas de difícil execução a possibilidade de promover leis de iniciativa popular. Nada comparável, todavia, ao poder dos grupos de pressão em sua ação permanente junto ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário.
O sistema político brasileiro, que tantos progressos fez nos últimos quase trinta anos em direção a uma democracia efetiva, inclusive em razão dos esforços de inclusão dos excluídos, pode ser ainda, todavia, classificado como plutocrático, o que, na definição de Aristóteles, significa o governo dos ricos.
A grande alternativa do desenvolvimento político brasileiro é resignar-se a esse sistema político e econômico, que concentra renda, riqueza e poder, e nele fazer, a duras penas, ajustes superficiais, ou tentar transformar esse sistema plutocrático em um sistema verdadeiramente democrático, em uma moldura jurídica atual de democracia formal, cujos instrumentos de mudança se encontram, em grande parte, no Legislativo nas mãos de “representantes” daqueles que concentram o poder econômico e não têm o menor interesse em perder o controle sobre os mecanismos normativos que disciplinam as atividades econômicas e, portanto, a distribuição da riqueza.
A solução para essa alternativa político-econômica é articular uma campanha para a aprovação de uma emenda constitucional que determine a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte ampla e exclusiva, isto é, composta por indivíduos eleitos exclusivamente para elaborar uma Constituição, por meio de eleições com financiamento público e igualdade de tempo na televisão e nos meios de radiodifusão para todos os candidatos, que trate de forma efetiva de temas como a democratização dos meios de comunicação, a revogação de mandatos pelo povo, o plebiscito e o referendo.
A alternativa econômica
A atual crise da economia internacional e a emergência simultânea da China como a nova fronteira de capitalismo e principal centro manufatureiro internacional, com extraordinária demanda por minérios e por alimentos e enorme capacidade de exportação de produtos industriais, encontram-se na base da atual alternativa de políticas para o desenvolvimento econômico brasileiro.
A crise econômica nos países altamente industrializados faz que estes procurem escapar dela por meio de medidas que afetam profundamente o Brasil:
a) a redução das taxas de juros, a níveis às vezes até negativos, para estimular os investimentos tornou mais atrativos aqueles mercados financeiros onde as taxas de juros são elevadas, como é o caso do Brasil;
b) a política de emissão de moeda para socorrer entidades financeiras em dificuldades, inclusive para resgatar títulos “derivativos” em sua posse e “limpar” o mercado, provoca um movimento permanente de desvalorização do dólar e do euro nos mercados cambiais, inclusive em relação ao real;
c) os programas governamentais dos países desenvolvidos de estímulo às exportações, em especial de produtos industriais, e as medidas de restrição às importações, como instrumentos de reativação da atividade econômica, afetam a balança comercial brasileira.
A gigantesca demanda chinesa por minérios e produtos agrícolas provocou uma alta significativa de preços internacionais dessas commodities e, portanto, receitas extraordinárias de divisas para os países capazes de exportar esses produtos, como é o caso do Brasil.
Ao ingresso de divisas decorrentes do aumento do valor das exportações de produtos primários, somou-se a entrada de dólares causada, em primeiro lugar, pela política de alívio quantitativo (quantitative easing) do governo norte-americano, que emite US$ 75 bilhões por mês para comprar títulos públicos e derivativos que estão na posse dos bancos privados; em segundo lugar, pela emissão de euros pelo Banco Central Europeu; e, em terceiro lugar, pelo ingresso de divisas em razão das oportunidades de investimentos mais lucrativos.
Além desses fatores, deve-se considerar a política do Banco Central, que faz que o Brasil tenha uma das mais altas taxas de juros do mundo, o que atrai capitais especulativos e voláteis de todas as partes.
Essa situação faz que o real tenda permanentemente a se valorizar e, assim, a tornar mais baratas as importações, em especial de produtos industriais, as despesas dos turistas brasileiros no exterior e as remessas de lucros e todo tipo de pagamentos ao exterior.
De outro lado, o real valorizado torna mais difíceis as exportações brasileiras, que ficam menos lucrativas na nossa moeda, e faz que o Brasil seja um destino turístico menos atraente.
A essa situação cambial podemos juntar o efeito dos baixíssimos preços, reais ou artificiais, das importações de produtos industriais de consumo e de bens de capital provenientes da China e também o efeito dos esforços de promoção de suas exportações e de redução de importações dos países altamente industrializados, isto é, dos Estados Unidos e da Europa ocidental, como forma de reduzir os efeitos domésticos de suas crises econômicas.
Esse conjunto de situações contribui para a desindustrialização, a desnacionalização e a “reprimarização” da economia brasileira, pois:
a) torna mais lucrativos os investimentos, tanto nacionais como estrangeiros, no agronegócio, na mineração, no setor financeiro e no setor de serviços, inclusive de saúde e educação, que não sofrem a concorrência estrangeira, e menos atraentes os investimentos no setor industrial;
b) torna crescente a participação das importações de produtos industriais no total do consumo doméstico brasileiro;
c) torna crescente a participação de partes e peças importadas nas cadeias produtivas brasileiras;
d) torna mais fácil a aquisição de empresas brasileiras, fragilizadas, por empresas estrangeiras;
e) torna a pauta brasileira de exportações cada vez mais constituída por produtos primários e, portanto, faz que a volatilidade das receitas de exportação se torne maior.
A primeira alternativa para o desenvolvimento econômico é a seguinte:
1) executar uma política econômica que:
a) aceite implicitamente as recomendações do Consenso de Washington, tais como:
• equilíbrio orçamentário;
• abertura indiscriminada, sem controle e disciplina, ao capital estrangeiro;
• privatização;
• ausência de controle dos fluxos de capital;
• prioridade para o pagamento do serviço da dívida pública;
• prioridade absoluta ao controle da inflação, sem consideração para com os níveis de emprego e de crescimento.
b) aceite taxas de crescimento baixas, ainda que isso signifique um aumento da distância econômica entre o Brasil e os países desenvolvidos de dimensões semelhantes, o que acarreta o aumento do subdesenvolvimento;
c) priorize o pagamento do serviço da dívida pública em relação aos investimentos, o que significa uma transferência de recursos públicos originados dos impostos cobrados da maioria da população para os detentores desses títulos, que são os segmentos mais ricos da população, aumentando a concentração de riqueza;
d) não privilegie nem proteja o desenvolvimento e a integração da estrutura industrial brasileira;
e) não estabeleça condições para os investimentos estrangeiros que se destinam ao Brasil em busca de lucros extraordinários decorrentes dos baixos salários e de situações de oligopólio;
f) confie que o Brasil pode se tornar permanentemente um grande exportador competitivo de commodities e, com as divisas obtidas, importar todos os bens de consumo e de produção demandados pela sociedade;
g) priorize acima de tudo o controle da inflação e não receie tornar o Brasil mais uma vítima da “doença holandesa”.
Ou:
2) adotar uma política de crescimento econômico acelerado capaz de utilizar de forma mais plena e eficiente os recursos de trabalho, de capital e de recursos naturais da sociedade brasileira e, assim, reduzir a distância entre o Brasil e os países altamente desenvolvidos por meio das seguintes medidas:
a) aproveitar a atual situação, que pode se revelar temporária, de elevados preços para os produtos primários e de forte demanda da China para estabelecer impostos de exportação e, com a receita destes, criar fundos específicos para financiar investimentos que visem à transformação industrial desses produtos primários, agregando valor, e desenvolvam a infraestrutura das regiões onde são produzidos;
b) privilegiar as importações de bens de capital e desestimular as importações de bens de consumo suntuário;
c) disciplinar o capital estrangeiro para que ele amplie a capacidade instalada no Brasil e contribua para a diversificação das exportações e para o desenvolvimento tecnológico;
d) taxar de forma diferenciada, de acordo com o prazo de sua permanência no Brasil, os fluxos de capital especulativo;
e) aumentar, em coordenação com os sócios do Mercosul, os impostos de importação até o limite das tarifas consolidadas no Gatt-94 e estabelecer impostos específicos nos casos de preços de importação notadamente inferiores aos preços praticados no mercado internacional;
f) garantir a realização dos investimentos, de natureza estratégica, pelo Estado nas áreas de energia e de transporte quando não houver interesse das empresas privadas;
g) estabelecer metas de emprego e de crescimento a serem obedecidas em conjunto com as metas de inflação.
A alternativa social
A partir de 2003, os êxitos dos programas brasileiros de combate à fome, à miséria e à desigualdade de gênero e de origem étnica, que resultaram em maior inclusão social, são notáveis e reconhecidos tanto pelos organismos internacionais como pelos países dos mais diferentes continentes.
Todavia, ainda resta muito a fazer, como indica o fato de 13,7 milhões de famílias − cerca de 55 milhões de brasileiros, ou um quarto da população do país − serem beneficiárias do programa Bolsa Família, isto é, contarem com uma renda per capita mensal inferior a R$ 70, o que totaliza R$ 280 para uma família média de quatro membros.
A gravidade desse fato pode ser medida quando se considera que o valor do salário mínimo por trabalhador no Brasil é de R$ 724 e que, portanto, uma família em que dois adultos ganhem, cada um, um salário mínimo tem um rendimento mensal de R$ 1.448.
A alternativa de política social no Brasil é procurar atender:
a) ou, a curto prazo, às demandas de educação, saúde e transporte de toda a população, isto é, dos ricos, da classe média, dos pobres e dos excluídos;
b) ou, de forma qualificada, consistente a curto, médio e longo prazo, e com absoluta prioridade, às demandas da enorme população pobre e excluída.
Assim, na educação é mais importante criar condições para uma educação de qualidade para os brasileiros excluídos, ainda que nem todos possam ser atendidos imediatamente, do que tentar incluir no sistema educacional todas as pessoas para receberem uma educação de baixíssima qualidade, como comprovam as estatísticas sobre analfabetismo funcional, os resultados de quaisquer exames gerais em qualquer nível de ensino, a remuneração baixíssima dos professores e o número de professores “leigos”.
As iniciativas estratégicas fundamentais na área da educação são:
a) criar uma carreira nacional de professor de ensino primário e médio com níveis salariais capazes de atrair jovens qualificados;
b) criar escolas de formação de professores, com ênfase nas disciplinas de Matemática e Português, como condição de acesso à carreira nacional de professor;
c) ampliar significativamente o número de escolas de tempo integral de ensino verdadeiro, e não apenas de recreação esportiva ou cultural, de acesso democrático a todos os setores da população, por sorteio dos candidatos, até incluir no horário integral todas as crianças e os jovens.
Assim, na saúde é mais importante:
a) estender o sistema de saneamento básico e de água potável, a começar pelas regiões mais pobres das periferias urbanas, do que instalar equipamentos médicos de alta complexidade e custo elevadíssimo, tais como tomógrafos, para atender às demandas da classe média;
b) dar toda prioridade a campanhas de medicina preventiva em relação aos programas de medicina curativa. O fato de no Brasil haver 50 mil vítimas fatais de acidentes de automóvel por ano e, portanto, cerca de 200 mil vítimas não fatais; de serem 50 mil as vítimas de homicídio e de a obesidade, inclusive infantil, estar se tornando uma epidemia, com todos os seus efeitos sobre a ocupação dos hospitais e as despesas do sistema único de saúde, demonstra, a título de exemplo, a necessidade e a prioridade que se deve atribuir a essas campanhas preventivas;
c) dar prioridade à coleta e ao processamento industrial do lixo urbano, cujo acúmulo é fonte de todo tipo de doenças e contribui para a baixa autoestima da população mais pobre.
A situação extremamente precária dos transportes públicos, em especial de ônibus e trens nas grandes cidades, afeta a saúde, inclusive psíquica, e a capacidade de trabalho e lazer da população que deles se utiliza, formada, de fato, pelos trabalhadores mais pobres. Assim, nesse setor é mais importante investir no transporte de massa, em especial nos sistemas de trens dos subúrbios e periferias das grandes cidades, do que na construção de metrôs que atendem às populações dos bairros de classe média, e de viadutos e grandes avenidas, que beneficiam os proprietários de automóveis.
A alternativa internacional
Os desafios internacionais do desenvolvimento brasileiro são de natureza política, militar e econômica, e nesses três casos são inter-relacionados e podem ser examinados em conjunto.
A primeira alternativa é incorporar o Brasil, de forma ainda mais profunda, ao sistema político, militar e econômico ocidental, liderado pelos Estados Unidos e manter o país como um Estado periférico, subdesenvolvido e com reduzido grau de autonomia, inclusive para promover seu próprio desenvolvimento econômico.
Na área política, essa primeira alternativa significa:
a) despriorizar a campanha para obter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e reduzir sua estratégia de aproximação, em todos os setores, com os países do Sul e “amortizar” sua reivindicação junto às grandes potências e a seus Estados “associados”;
b) reduzir a ênfase no objetivo de formação de um bloco regional na América do Sul, a partir do Mercosul e da Unasul;
c) negociar acordos de “livre-comércio”, na realidade acordos de consolidação de normas restritivas ao desenvolvimento e altamente assimétricos, com países desenvolvidos.
Na área militar, essa primeira alternativa significa:
a) não priorizar o desenvolvimento tecnológico nas áreas nuclear, espacial e de tecnologia da informação;
b) aceitar os acordos de desarmamento promovidos pelos Estados Unidos, pelas grandes potências e seus Estados “associados”;
c) não priorizar o desenvolvimento da indústria bélica nacional;
d) priorizar a importação de material de defesa em prejuízo da produção e da pesquisa nacional, como foi o caso da aquisição de veículos aéreos não tripulados (Vant) pela Polícia Federal.
Na área econômica, essa primeira alternativa significa:
a) despriorizar os esforços de diversificação das exportações para a África, o Oriente Próximo e a Ásia;
b) não dar ênfase aos esforços de integração da América do Sul, em especial do Mercosul;
c) não aproveitar a demanda extraordinária por produtos primários de parte da China para promover o processamento industrial, no Brasil, desses produtos primários, com eventual cooperação com esse país oriental, e se conformar com “apelos” para que as empresas diversifiquem suas exportações;
d) não disciplinar as atividades das empresas estrangeiras instaladas no Brasil de modo a fazer que elas contribuam efetivamente para a modernização do parque industrial, para a diversificação e o aumento das exportações e para o desenvolvimento tecnológico da economia brasileira.
A segunda alternativa constitui a estratégia de transformar a inserção do Brasil no sistema internacional, político, militar e econômico de modo a fazê-lo participar do sistema político internacional em uma posição que permita defender e promover seus interesses (e da América do Sul) atuais e futuros; venha a ter uma capacidade de defesa capaz de dissuadir qualquer eventual agressor e assim resguardar sua soberania; permita que a economia brasileira reduza a distância que a separa das economias altamente desenvolvidas.
Na área política, essa segunda alternativa significa:
a) priorizar a campanha para obter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e, para tal, fortalecer sua estratégia de aproximação, em todos os setores, com todos os países do Sul, independentemente de sua organização política e social, e reivindicar, com firmeza, junto às grandes potências, em especial aquelas que são membros permanentes do Conselho, e junto a seus Estados “associados”, essa sua legítima aspiração;
b) ampliar os esforços de formação de um bloco regional na América do Sul, com fundamento nos princípios de não intervenção, de autodeterminação, de cooperação e de responsabilidade brasileira no processo de redução de assimetrias, especialmente por meio da ampliação significativa do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem).
Na área militar, essa segunda alternativa requer:
a) priorizar o desenvolvimento tecnológico e os investimentos nas áreas nuclear, espacial e de tecnologia da informação, o que significa garantir recursos orçamentários, não contingenciáveis e previsíveis para períodos de pelo menos cinco anos;
b) não subscrever acordos de desarmamento promovidos pelos Estados Unidos, pelas grandes potências e seus Estados “associados”, em especial aqueles acordos de natureza assimétrica, os quais tais potências muitas vezes não subscrevem ou não cumprem de fato ou dos quais não participam;
c) priorizar o desenvolvimento da indústria de defesa nacional por meio de programas de desenvolvimento e de aquisição de equipamentos, com recursos previstos em orçamento plurianual, não contingenciáveis;
d) priorizar a aquisição de material de defesa de produção nacional e evitar a importação de equipamentos, mais baratos a curto prazo, porém mais “caros” a longo prazo, posto que prejudicam o desenvolvimento tecnológico autônomo.
Na área econômica, essa segunda alternativa significa:
a) priorizar a política de integração econômica da América Latina, em especial da América do Sul, visando à redução das assimetrias e ao desenvolvimento industrial de todos os países da região;
b) priorizar os esforços de diversificação das exportações para a África, o Oriente Próximo e a Ásia por meio da alocação de recursos significativos, semelhantes aos que são dedicados, por exemplo, pela Índia;
c) aproveitar a demanda extraordinária chinesa por produtos primários e negociar com esse país programas de promoção do processamento industrial, no Brasil, desses produtos primários, criando fundos específicos para cada setor com os recursos decorrentes de impostos de exportação, a serem aplicados no desenvolvimento industrial e na infraestrutura do setor, e geridos com a participação dos empresários ligados a este;
d) disciplinar as atividades das empresas estrangeiras instaladas no Brasil, cuja presença hoje é imensa, fazendo-as contribuir efetivamente para a ampliação da capacidade instalada, para a modernização tecnológica e, assim, para a maior competitividade da produção industrial brasileira, e para a diversificação e o aumento das exportações, utilizando para alcançar tais objetivos o poder de compra e de concessão de crédito do Estado.
Muitos e árduos são os desafios do desenvolvimento brasileiro, mas, se não forem enfrentados, maior será o custo para a sociedade e mais remota a possibilidade de realizar o sonho de um país mais justo, próspero, igual, democrático e soberano.
*Samuel Pinheiro Guimarães é diplomata e professor do Instituto Rio Branco (IRBr/MRE), foi secretário-geral do Itamaraty (2003-2009), ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (2009-2010) e alto representante-geral do Mercosul (2011-2012). É autor, entre outros livros, de Quinhentos anos de periferia, Porto Alegre, UFRGS-Contraponto, 1999, e Desafios brasileiros na era dos gigantes, Rio de Janeiro, Contraponto, 2006.