A noite em que lembramos o que restou da ditadura

No Rio, grupo Tortura Nunca Mais relembra, entre outros, Amarildo e os guaranis, para frisar que violência contra pobres e desigualdade brutal persistem.

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John F. Kennedy durante a visita do então presidente João Goulart aos Estados Unidos em 1962.

Outras Palavras
Por Arlindenor Pedro
O dia 1º de abril deste ano foi um dia singular. Em todos o país, inúmeras manifestações, organizadas por um vasto leque de entidades, marcaram os cinquenta anos da deposição do presidente eleito João Goulart em 1964. Foram palestras, debates, atos culturais e políticos, marchas e comícios em praças públicas, mostrando de forma incisiva e criativa que a sociedade brasileira não quer esquecer o que ocorreu naquela data, quando o país mergulhou na mais sangrenta ditadura da sua história.
Este clima de comoção havia se iniciado dias antes, nas redes sociais. Internautas substituíram seus avatares por figuras de desaparecidos e mortos pela ditadura. Filhos fizeram homenagens a seus pais militantes. Pais choraram seus filhos torturados. Textos, vídeos e músicas relembraram os dias de chumbo do regime militar e trouxeram à tona revelações e novas formas de enfoque sobre a ditadura. O ambiente manteve-se durante dias. Espraiou-se para discursos nos Legislativos, textos na mídia, aulas e seminários nas universidades e escolas. 
Foi talvez a maior comemoração de uma data, na história recente do Brasil, que não ficou restrita a ações de marketing ou de máquinas governamentais. Atingiu grandes parcelas de uma juventude que pouco conhecia desses fatos históricos . Embora não fossem vistas grandes multidões, a diversificação dos atos políticos e a utilização das redes sociais deram dimensão nacional à data.
Dos diversos enfoques dados ao cinquentenário do golpe, destaca-se a necessidade de rever a Lei da Anistia Política e sanar a chaga aberta, até hoje, pela existência de desaparecidos políticos que não puderam ser pranteados por seus familiares. Entre que abordaram este aspecto, um dos mais concorridos foi o do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, realizado nas dependências da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com o Centro Acadêmico Cândido de Oliveira .
Talvez pelo fato de realizar-se em um prédio histórico, palco de importantes acontecimentos na República, e particularmente por ter ali ocorrido, há cinquenta anos, um episódio marcante de resistência ao golpe, o evento revestiu-se de enorme significado.
Trouxe à memória de todos o ocorrido na tarde de 1 de abril, quando o então capitão Ivan Proença, que na época comandava uma coluna de tanques que guardava a Casa da Moeda, conseguiu, em um gesto heróico retirar estudantes e professores da faculdade, que se encontrava cercada por forças insurgentes, levando-os em segurança para fora da área conflagrada (o centro da cidade) e livrando- os da prisão que era certa.Tal ato, inclusive, levou-o a ser cassado mais tarde e expulso do exército.
Mas, o que saltou ao olhos no evento organizado pelo Tortura Nunca Mais – que promove, todos os anos, a entrega de um medalha àqueles que se destacam na luta social, foi o caráter libertário e de cobrança ao Estado por suas investidas contra os movimentos sociais.
Longe de se transformar em uma solenidade nostálgica e fora da realidade contemporânea, o ato realçou o momento em que vivemos, com o povo nas ruas reclamando por melhores condições de vida e o caráter opressor do Estado com sua política de criminização dos movimentos sociais.
Dentre os momentos marcantes desta solenidade, onde foi homenageada a família do ex-presidente João Goulart, comoveram a todos o depoimento dos familiares do desaparecido Amarildo (cujo corpo até hoje não foi encontrado) e da mãe do morador de rua Rafael Vieira, condenado por carregar frasco de Pinho Sol em manifestação, em sentença draconiana e política da Justiça – que procurou convertê-lo em “exemplo”, para desestimular os movimentos cotestatórios.
Homenagendo tanto figuras como Julio Assange, do Wikileaks, como a memória de guerrilheiros urbanos e do Araguaia, políticos militantes, índios guaranis e ativistas do MST, o Tortura Nunca Mais prestou, naquela noite, um importante serviço aos movimentos sociais do país. Foi muito além das solenidades oficiais promovidas pelo Estado Brasileiro, deixando claro que, embora os ditadures tenha sido afastada do poder, após cinquenta anos ainda permanecem as sequelas do regime, mormente a violência contra as maiorias e as desigualdades sociais.
Embora , possamos tristemente ouvir figuras públicas – inclusive que tiveram papel no movimento de resistência contra da ditadura – tentando desqualificar a luta pelo total esclarecimento dos fatos ocorridos neste momento obscuro da vida nacional, a existência de movimentos como o Tortura Nunca Mais passa a ter um papel crucial como instrumento da manutenção da chama da liberdade do cidadão.
A ligação que faz entre luta empreendida contra a ditadura pelos ativistas da época e as lutas contemporâneas dos ativistas sociais, coloca este movimento (e outros semelhantes) na vanguarda dos movimentos sociais, dado o caráter político e libertário das suas atividades.
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