Como os projetos de REDD+ prejudicam a agricultura camponesa e as verdadeiras soluções para as mudanças climáticas
Por World Rainforest Movement
A agricultura é cada vez mais discutida em fóruns de alto nível sobre a mudança climática, os quais promovem diferentes programas que – dizem – irão ajudar os agricultores a se adaptar às mudanças e reduzir as emissões de gases do efeito estufa na agricultura. Essas iniciativas são fortemente influenciadas por empresas e governos que querem proteger a agricultura industrial e os sistemas alimentares corporativos das verdadeiras soluções para a mudança climática, que dariam mais terras aos camponeses e apoiariam a agricultura agroecológica para mercados locais. Como resultado, a pequena agricultura camponesa está sendo alvo de uma série de falsas soluções para a mudança climática, promovidas agressivamente, enquanto a agricultura industrial e empresarial continua fazendo seus negócios de sempre. Um desses programas é chamado de REDD+.
Uma publicação recente da GRAIN e do WRM explica alguns dos padrões que fazem da Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) um perigo para a agricultura camponesa. A publicação explica como o REDD+ reforça o sistema alimentar empresarial, que é o grande responsável pela mudança climática, roubou os territórios de muitas comunidades e povos da floresta, e prejudica os sistemas alimentares e agrícolas de camponeses e povos indígenas que podem esfriar o planeta.
Na maioria dos casos, as informações que as comunidades camponesas recebem sobre os projetos de REDD+ são tendenciosas ou incompletas. Os proponentes do projeto prometem muitos benefícios e empregos se a comunidade concordar com a atividade de REDD+ proposta. Mas a maioria dessas atividades limita o uso da floresta para agricultura itinerante, coleta e outros usos de subsistência. Caça, pesca, pastagem ou o corte de algumas árvores para construção de moradias ou canoas também costuma sofrer restrições, que são fiscalizadas pelos proprietários do projeto de REDD+, muitas vezes com o apoio de guardas armados. Além disso, a maioria das comunidades não é informada de que os projetos geram créditos de carbono ou que os compradores desses créditos são algumas das maiores empresas do mundo, cujos negócios se baseiam na extração de combustíveis fósseis e na destruição dos territórios das comunidades tradicionais. Portanto, a agricultura camponesa é apontada como a causa do desmatamento, enquanto as causas principais são ignoradas. Ao mesmo tempo, as grandes causas do desmatamento, como a atividade madeireira industrial, a expansão de plantações de dendê, soja ou árvores, de megaprojetos de infraestrutura, mineração, grandes hidrelétricas e, acima de tudo, a agricultura industrial expandindo-se sobre a floresta – continuam sem restrição (Veja “REDD: uma Galeria de Conflitos, Contradições e Mentiras”).
Alguns padrões que tornam o REDD+ um perigo para a agricultura camponesa
O REDD+ responsabiliza as práticas agrícolas camponesas pelo desmatamento e as emissões
Os camponeses de todo o mundo estão sendo espremidos em menos terra, enquanto ainda conseguem produzir a maior parte dos alimentos do mundo sem gerar, nem de perto, a quantidade de emissões de gases do efeito estufa produzida por grandes fazendas industriais. A esmagadora maioria dos projetos de REDD+, no entanto, procura reduzir as emissões diminuindo ainda mais as terras a que camponeses e comunidades indígenas têm acesso ou mudando a forma como essa terra é usada por eles.
Os defensores do REDD+ partem do pressuposto equivocado de que a agricultura itinerante, uma prática comumente usada por povos da floresta em todo o mundo, é uma importante causa de desmatamento. Isso simplesmente não é verdade. O que geralmente é agrupado sob o termo “corte-e-queima”, na realidade, representa centenas de práticas diferentes de uso da terra, adaptadas às circunstâncias locais. Longe de causar grandes perdas florestais, essas práticas têm permitido que comunidades que dependem de florestas mantenham as florestas das quais que dependem. Onde a agricultura itinerante está levando à degradação florestal, os ciclos de rotação costumam ser encurtados porque há menos terra disponível para a agricultura itinerante. Isso é quase sempre resultado da expansão de plantações industriais ou megaprojetos de infraestrutura ou atividade madeireira industrial, que tomam terras das quais as comunidades camponesas dependem para produzir alimentos.
Outro argumento usado pelos defensores do REDD+ é que o “custo de oportunidade” é menor do que com a restrição à expansão de plantações e fazendas industriais. O “custo de oportunidade” é uma medida do valor econômico que teria sido gerado por empresas ou camponeses se a continuidade das atividades de desmatamento tivesse sido autorizada. Os consultores conseguem enxergar o dinheiro que as plantações geram para as empresas, mas não veem todo o valor que as áreas florestais representam para as comunidades camponesas em termos de produção local de alimentos, habitação, medicamentos, biodiversidade, cultura, etc. Para os defensores de REDD+, portanto, compensa mais em termos de “custos” fazer com que os camponeses parem de usar áreas florestais do que deter as empresas de plantações e os fazendeiros empresariais.
REDD+: Um bom negócio para empresas de carbono, ONGs internacionais de conservação, consultores e países industrializados
Uma das grandes promessas do REDD+ é que comunidades que dependem da floresta e pequenos agricultores vão ser pagos para proteger a floresta. Para atrair governos e comunidades do Sul, os defensores do REDD+ costumam fazer afirmações exageradas sobre a dimensão do comércio global de créditos de carbono – ou o tamanho esperado de um futuro mercado de carbono florestal.
A realidade é que o preço das licenças de carbono vem em queda livre desde 2008. E, enquanto o valor das licenças pode recuar até o preço esperado, as experiências de projetos de REDD+ que vendem créditos de carbono mostram como a maioria dos supostos lucros que estão, em teoria, indo para as comunidades serão apropriados por outros.
Antes de um projeto de REDD+ poder vender créditos de carbono, muitos documentos técnicos têm que ser escritos, certificados e verificados por diferentes empresas de auditoria. Todos esses preparativos custam dinheiro, e não é pouco, sendo acrescentados ao que se chama de “despesas gerais” ou “despesas de transação” dos projetos de REDD+.
Diferentemente, para grupos conservacionistas internacionais como The Nature Conservancy,Conservation International e WWF, o REDD+ é um bom negócio, porque eles conseguem captar uma grande parte da ajuda internacional e do financiamento para o clima disponíveis para o REDD+. Esses grupos estão envolvidos em diversos projetos e iniciativas de REDD+, e atuam como assessores de planos nacionais de REDD+. Nenhum desses grupos revelou o tamanho de seus orçamentos de REDD+ nem quanto de suas verbas vem do financiamento climático que os países industrializados contam como pagamentos de REDD+ ao Sul global.
Os países industrializados também podem ganhar ainda mais com o REDD+ se o novo tratado climático da ONU que está sendo negociado atualmente lhes der a possibilidade de receber o crédito pelas reduções do desmatamento em países tropicais. Uma das propostas que estão na mesa é que os países que deram apoio financeiro ao REDD+ contabilizem as reduções que ocorrerem por meio desse sistema em suas próprias metas de emissões – uma opção muito conveniente para governos de países industrializados que procuram maneiras de evitar cortes profundos das emissões em casa.
O REDD+ prejudica a soberania alimentar
Os projetos de REDD+ costumam comprometer a produção alimentar local e criar insegurança alimentar entre as comunidades locais de diferentes maneiras. Em alguns casos, as famílias que participam diretamente do projeto de compensação devem reduzir sua produção de culturas alimentares para plantar árvores para o projeto. Em outros casos, o projeto de REDD+ impede que as comunidades tenham acesso a áreas de floresta das quais elas dependem para caça e coleta, agricultura itinerante ou pastagem.
O fracasso reiterado de iniciativas de REDD+ em “estabelecer alternativas ao corte-e-queima” ou “modernizar” a agricultura camponesa através de propostas desenvolvidas por distantes proprietários de projetos ou por ONGs de conservação aponta para outra tensão inerente ao REDD+: esses projetos visam, acima de tudo, maximizar o armazenamento de carbono na área que vai gerar os créditos. Iniciativas para envolver comunidades camponesas e povos da floresta são uma ideia posterior, exigência dos doadores, ou pretendem mostrar uma implementação supostamente participativa do projeto.
O REDD+ prejudica o controle das comunidades sobre os territórios
Os créditos de REDD+ negociáveis são uma forma de título de propriedade. Quem os compra não precisa ser dono da terra nem das árvores que estão “armazenando” o carbono, mas tem direito de decidir como a terra será usada. Também costuma ter direitos contratuais de monitorar o que está acontecendo na terra e solicitar acesso a ela a qualquer momento que escolher, pelo tempo em que for dono do crédito de carbono.
As comunidades muitas vezes não são informadas sobre como o contrato que assinaram para projetos de REDD+ pode prejudicar seu controle sobre seus territórios. Com frequência, as obrigações que as comunidades ou famílias assumem não são explicadas claramente ou são descritas em termos ambíguos, que podem facilmente ser mal interpretados. Procurar assessoria jurídica sobre esses documentos técnicos complexos e ambíguos é difícil, porque quase todos os contratos de REDD+ contêm cláusulas estritas de confidencialidade.
Outra forma importante em que os projetos de REDD+ afetam o controle das comunidades sobre os territórios é criando divisões dentro delas. Enquanto muitas promessas de emprego por meio de projetos de REDD+ continuam sem ser cumpridas, os projetos geralmente contratam pessoas de dentro da comunidade para trabalhar como guardas florestais, cujo papel é informar sobre o cumprimento das regras do projeto na comunidade. Em outras palavras, espera-se que fiquem de olho nos outros membros da comunidade. Seu papel é informar aos proprietários do projeto se os membros da comunidade cortam árvores, caçam, pescam, cultivam alimentos na floresta ou a usam da forma como sempre fizeram, mas que é proibida sob as regras do projeto de REDD+. Essa forma de “emprego” cria divisões dentro da comunidade que irão afetar negativamente sua capacidade de se organizar e trabalhar em conjunto para defender seus territórios.
- Como as mudanças na lei inspiradas pelos mercados de carbono estão ameaçando a reforma agráriaO Código Florestal brasileiro é um exemplo de como as mudanças na lei informadas pelo REDD+ e iniciativas semelhantes de comércio de compensações representam um risco à reforma agrária e aos direitos dos camponeses à terra. A revisão do Código Florestal feita em 2012 estende o uso de créditos negociáveis de restauração florestal. Estes são créditos que um proprietário de terras pode vender se cortar menos floresta do que o Código Florestal permite. Os agricultores que, no passado, cortaram mais floresta do que a lei permitia e são obrigados, sob o Código Florestal de 2012, a restaurar a área desmatada além do limite legal – ou correm o risco de perder o acesso a linhas de crédito agrícola – podem comprar esses créditos de restauração florestal em vez de restaurar a floresta em sua própria terra.Esses créditos de restauração florestal que podem ser negociados colocam em grande risco um instrumento fundamental para a Reforma Agrária no Brasil. O instrumento histórico da Reforma Agrária tem sido a expropriação de latifúndios que se possam comprovar ser improdutivos e, portanto, não cumpram a “função social” da terra exigida pela Constituição. A introdução de créditos negociáveis de restauração florestal criou um instrumento que poderia proteger os proprietários de latifúndios da desapropriação para fins sociais porque esses créditos transformariam latifúndios improdutivos em fábricas de carbono e repositórios de reservas ambientais. Isto, por sua vez, permitiria que os proprietários alegassem que a terra está cumprindo a “função social” exigida constitucionalmente.
O desmatamento causado pelo setor agrícola nas últimas décadas é quase inteiramente devido à expansão dos cultivos decommodities para exportação e para ração animal, sendo que a grande maioria dessa produção se expandiu em grandes fazendas industriais e plantações de monocultivos. Portanto, o desmatamento está diretamente ligado a cadeias internacionais de oferta de commodities que são controladas por um pequeno número de grandes empresas transnacionais de alimentos. Entre elas estãotraders e produtores de commodities como Cargill, Louis Dreyfus Group, Bunge, Archer Daniels Midland (ADM), a JBS ou Wilmar International, empresas de alimentos como a Nestlé, Danone ou Unilever, além de supermercados e cadeias de fast-food como McDonald, Walmart ou Carrefour.
Para se proteger da má publicidade e para preservar seus canais de abastecimento, as empresas estabeleceram regimes de certificação voluntária e mesas redondas decommodities com a participação de algumas grandes ONGs internacionais (ver artigo separado neste boletim).
Conclusões
Os problemas são claros, as soluções existem… e são muito diferentes do conceito do REDD+.
O REDD+ contribui para ocultar o fato de que, embora a agricultura seja um dos principais fatores que contribuem para a mudança climática, nem todo mundo que planta cultivos tem a mesma responsabilidade pelas emissões. É o sistema alimentar industrial – com o seu alto uso de insumos químicos, sua erosão dos solos, seu desmatamento e sua ênfase na produção para os mercados de exportação – que é a principal fonte de emissões de gases do efeito estufa.
No entanto, o REDD+ acusa falsamente a agricultura itinerante e camponesa pelo desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa. Na realidade, os camponeses já estão provando que é possível “alimentar o mundo” enquanto se produzem muito menos emissões do que o modelo industrial de produção agrícola centrado na exportação. Devolver a terra aos pequenos agricultores e às comunidades indígenas é a maneira mais eficaz de lidar com os desafios de alimentar uma população global crescente em uma era de mudança climática imprevisível. O REDD+ é uma distração perigosa em relação às medidas urgentes necessárias nesse sentido.
Acesse a publicação aqui: http://wrm.org.uy/es/otra-informacion-relevante/los-proyectos-redd-y-como-debilitan-la-agricultura-campesina-y-las-soluciones-reales-para-enfrentar-el-cambio-climatico/
Foto: Wikipedia