Anúncio, vago, foi feito por assessor do ministério da Justiça. Na África do Sul, medida produziu penas desproporcionais e atingiu direitos básicos da cidadania
+Acompanhe e curta o Facebook da Fundação Rosa Luxemburgo
Outras Palavras
Por Antonio Martins
Presentes à entrevista coletiva que autoridades brasileiras concederam ontem na Costa do Sauípe, às vésperas do sorteio de chaves para a Copa do Mundo, os jornais e TVs brasileiros (1 2 3) deixaram passar em branco uma informação de enorme gravidade. Em determinado momento, André Rodrigues, consultor especial do ministério da Justiça para grandes eventos, anunciou que o governo pretende criar “tribunais especiais” para julgar e punir, em rito sumário, supostos delitos relacionados ao torneio. O ministro Aldo Rebelo, principal entrevistado, não desmentiu a informação, destacada pelo Guardian e Telegraph, da Inglaterra.
Tribunais de exceção, como os mencionados por André Rodrigues, não são uma novidade absoluta. Seu retrospecto são sentenças desproporcionais, para preservar privilégios dos grandes patrocinadores dos jogos. Foram instituídos pela primeira vez na Copa de 2010, na África do Sul. Na época, 56 “cortes especiais da FIFA” foram criadas em todo o país. Funcionavam 15 horas por dia. Mobilizaram 1,500 juízes, promotores e funcionários — desviados de suas atividades num Judiciário que, como o brasileiro, é sobrecarregado e lento. O pior, porém, foi o tipo de “justiça” sumária que aplicaram, atropelando direitos e liberdades em nome da segurança do evento e dos interesses econômicos.
Uma reportagem do New York Times publicada à época descreve cenas registradas num destes tribunais, em Johannesburgo. Um jovem de 22 anos foi condenado a 5 anos de cadeia pelo roubo simples de um celular, que não envolveu nem violência, nem ameça contra a vítima. Ao proferir a sentença, o juiz revelou a mentalidade submissa que o movia: “Você sabia que o homem de quem roubou não era daqui”. E ainda ameaçou: “Se você não fosse primário, o tribunal não hesitaria em condená-lo a dez ou quinze anos de cadeia”.
Mas as “cortes especiais da FIFA” não se preocupam apenas com a segurança pessoal dos turistas: estão encarregadas de enquadrar ameaças ao monopólio de imagem que os patrocinadores do torneio querem impor nos estádios.Passaram pelo tribunal cidadãos do Brasil, Peru, Índia, Alemanha e Estados Unidos. Duas jovens holandesas, por exemplo, foram levadas diante dos juízes por… vestirem camisetas da cor laranja (veja foto). A atitude foi considerada propaganda ilegal em favor da cervejaria Bavaria — concorrente de uma patrocinadora oficial da FIFA. As moças, contou o Guardian, correriam o risco de condenação a até seis meses de cadeia, a despeito dos protestos da embaixada holandesa…
Na entrevista de ontem, o ministro Aldo Rebelo lembrou que os crimes comuns são uma preocupação das autoridades brasileiras durante a Copa, mas não constituem exclusividade brasileira. “A única vez em que fui assaltado, estava em Paris”, disse ele. Além dele, e de André Rodrigues, também falou aos jornalistas Andre Pruis, um ex-vice-chefe de polícia da África do Sul agora contratado pela FIFA como consultor de segurança para a Copa-2014. Segundo ele, o uso de balas de borracha, pela polícia, é um “nível baixo de ação”. “Machucam, mas o que a polícia vai usar? Pistolinhas de brinquedo? Canhões de água? Isso não funciona, a partir de um certo ponto”.