Gás de xisto no Brasil: “estamos primeiro explorando para depois pensar nos problemas”

Criticando a iminente concessão de áreas do território brasileiro para exploração de gás de xisto através do método de “fracking”, pesquisadores e ambientalistas defendem suspensão da licitação até que estudos ambientais aprofundados sejam feitos.
Por Júlio Delmanto, Fundação Rosa Luxemburgo
Tendo em vista a iminente realização da 12a rodada de Concessão das atividades de Exploração de Petróleo e Gás Natural, que será organizada pelo governo brasileiro no final de novembro e prevê a possibilidade de que cheguem ao país formas “não convencionais” de exploração de combustíveis, como por exemplo o processo de faturamento para obter gás e petróleo de xisto, ocorreu nesta quarta-feira, 13 de novembro, o debate “Impactos socioambientais da exploração de xisto”.
Organizado por diversas entidades preocupadas com a questão ambiental, como Greenpeace, Fase, Ibase e CTI, o evento contou com uma mesa de debates formada por pontos de vista provenientes da academia, da ciência, do ambientalismo e dos povos originários. Em comum entre os posicionamentos deles, e de grande parte da plateia, formada também por pessoas envolvidas na discussão sobre sustentabilidade, o rechaço à intenção do governo autorizar esse tipo de exploração sem que seus potenciais efeitos danosos ao meio ambiente tenham sido seriamente considerados.
Químico da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Jaílson Andrade iniciou os trabalhos representando a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que recentemente enviou carta à presidenta Dilma Rousseff solicitando a suspensão da licitação até que estudos mais aprofundados sejam feitos.  Segundo ele, o uso de combustíveis fósseis tme se intensificado nos últimos anos, chegando no momento a mais de 80% do total, o que torna a discussão sobre segurança e sustentabilidade energética cada vez mais urgente: “as pessoas ligam a tomada e não tem a percepção do que isso significa para o planeta”, destacou.
O pesquisador fez uma breve explicação do que consiste o processo de exploração de gás de xisto por meio do chamado “fracking”, ou fraturamento hidráulico. O gás de xisto é extraído de dentro de rochas de folhelho, que geralmente estão situadas abaixo de lençóis freáticos. Por terem sido descobertas grandes reservas em países como China e Estados Unidos, com menor tradição em exploração de combustíveis tradicionais, a entrada desse método em cena afeta o balanço político global, além de ameaçar o meio ambiente. Estima-se que o Brasil tenha a décima reserva mundial em quantidade de gás de xisto.
Após a perfuração, o gás é extraído das rochas depois da inserção de grandes quantidades de água, areia e aditivos químicos, o que ocorre para manter as fraturas abertas. Mesmo sendo responsável por menos de 1% dessa composição, os aditivos químicos têm “papel preponderante” na avaliação de Andrade, que vê nessa forma de exploração a possibilidade de diversos impactos ambientais, sendo os principais em relação à contaminação da água. Além disso, o solo também pode ser afetado, há vazamento de gás metano e a própria infraestrutura exigida no nível da terra, com grande movimentação de veículos, também causa danos.
Segundo Andrade, no Brasil as reservas coincidem com a representação hidrológica do país e isso traz várias implicações. “A principal pergunta é de onde virá a água e o que será feito dela”, concluiu.
 
Irresponsabilidade e danos irreversíveis
Bianca Dielle, do Fórum dos Atingidos pela Indústria Petroquímica nas cercanias da Baía da Guanabara, falou na sequência e também destacou a água como primordial nessa discussão. Segundo ela, seu uso em grandes quantidades, como requer a exploração de xisto, concorreria com o abastecimento, além do “risco muito grande para fontes subterrâneas”. Dielle destacou ainda a ausência de estudos que embasem o projeto do governo, lembrando que “essas são partes do subsolo que só conhecemos através da indústria, estudo dos aquíferos é focado na exploração do petróleo, não na água”.
“Nós não conseguimos proteger nem os poços de água visíveis, imagina os subterrâneos”, salientou Dielle, para quem a regulamentação proposta pela Agência Nacional do Petróleo apresenta “uma visão muito pequena do processo”, já que no Brasil mais de 4 mil municípios dependem de fontes  subterrâneas para abastecimento público de água – “sem universalização do controle de qualidade é irresponsabilidade expor nossos aquíferos, e no Brasil não há sistema de vigilância ambiental”, criticou.
“Os danos a aquíferos invariavelmente são irreversíveis pois não temos técnica de tratamento, precisamos levar esse debate aos possíveis atingidos para ver se eles realmente querem fazer essa opção”, finalizou.
Conrado Octavio, do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), enfocou sua apresentação mais no aspecto indígena, centrando sua exposição no caso do Vale do Javari, oeste do Amazonas, local onde está a segunda maior concentração de terras indígenas do país e a maior concentração de povos isolados. Existe atividade petroleira na região desde os anos 1930, com a situação tendo se intensificado nos anos 1970, período em que ocorreram diversos conflitos entre indígenas, Funai e Petrobrás.
No início dos anos 2000, retomou-se a agenda para exploração de gás e petróleo na região, com prospecções sísmicas tendo sido autorizadas em 2012. Segundo Octavio, não houve qualquer tipo de consulta aos indígenas dessa região que está sendo cercada pela indústria petroleira, uma vez que fica próxima à fronteira do Peru – 72% das terras da Amazônia peruana estão concessionadas para exploração.
De acordo com Octavio, esta nova rodada de licitações irá impactar terras indígenas em quatro bacias diferentes, sendo a Bacia do Paraná a mais preocupante por conter áreas ainda em processo de regularização para posse definitiva dos guaranis da região. Ele destaca também a falta de transparência na delimitação dos blocos e a desconsideração de pareceres de órgãos como a Funai.
 
“Nós conhecemos petróleo, nos lembramos das doenças e das mortes dos anos 1970”
Logo após, falou Angel Matsés, indígena peruano da etnia matsé, que vive em regiões amazônicas no Brasil e no Peru e foi contatada pelos brancos pela primeira vez em 1969. Ele relatou uma série de conflitos entre seu povo e expedições governamentais ocorridas antes desse contato e também que já houve exploração de petróleo em terras matsés no ano de 1974.
“Os matsés rechaçam todas atividade petroleiras, nós conhecemos petróleo, nos lembramos das doenças e das mortes dos anos 1970”, relatou,  apontando inclusive ter recebido ofertas de dinheiro em troca da diminuição da resistência. “Todos os indígenas peruanos que têm petróleo perto de suas terras fazem greve e protestos todos os dias, não queremos que isso chegue para nós, não queremos atividades poluidoras em nosso território”, declarou.
“Eles querem vir o mais rápido possível e só falam de leis, leis e leis. Nós também temos nossas leis não escritas, e além de tudo a Constituição e a Convenção 169 da OIT estão do nosso lado, por que não respeitam?”, questionou Angel.
O último expositor antes da abertura para debate entre os participantes foi Ricardo Baitelo, do Greenpeace, que lembrou como o aspecto econômico é fundamental neste tema, uma vez que o “fracking” teve seus custos reduzidos em 50% por conta dos avanços tecnológicos recentes, o que permitiu que ele tenha passado de 1,6% da produção de gás dos Estados Unidos em 2000 para cerca de 30% nos dias atuais. China, México, Argentina, Índia, Polônia e Austrália são alguns dos países que pretendem seguir esse caminho.
Segundo ele, as motivações dos Estados Unidos para investir nessa estratégia são a busca por aumento do PIB, por mais empregos, por um impulso à reindustrialização, pela redução da dependência da importação e inclusive pela diminuição do preço do petróleo no futuro. Já o Brasil teria como estímulos o aumento da competitividade das empresas brasileiras, que poderia ser alcançado através da obtenção de gás mais barato, e também a possibilidade das reservas de gás de xisto poderem ser maiores do que as de pré-sal.
Baitelo listou uma série de impactos desse modelo de exploração: psicológicos, de saúde, poluição do ar, da água, fragmentação da floresta, vazamento de metano, influências climáticas, especulação imobiliária, perda de terra agriculturável, perda de valores de imóveis, prejuízos no turismo. “O uso de gás natural é considerado um mal menor dentre as opções de energia, mas talvez não dê para se chamar o gás de xisto de gás natural, há uma gama de impactos não remediáveis nesta opção”, avaliou.
“Estamos primeiro explorando para depois pensar nos problemas, assim como fazem os Estados Unidos, não há estudos de impactos nem de estrutura”, apontou, concluindo que é preciso que o Brasil elabore um plano de transição para fontes sustentáveis de energia, mas que as atenções ainda estão voltadas quase totalmente para o setor de petróleo e gás, que abocanhará 75% dos investimentos do setor energético nos próximos dez anos. 
 
*imagem: Greenpeace

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