Suape: promessas não cumpridas

«Aqui em Pernambuco se promete muito mais. E se cumpre menos ainda», avalia Heitor Scalambrini Costa.

Kennedy_and_Goulart_review_troops_1962

John F. Kennedy durante a visita do então presidente João Goulart aos Estados Unidos em 1962.


Correio da Cidadania
Promessas são compromissos assumidos por quem as faz. Seus ouvintes, em princípio, acreditam que serão cumpridas. Na política, lamentavelmente, não é assim. Faz parte de nossa cultura prometer algo que muitas vezes, sabe-se de antemão, não será cumprido. Mesmo assim se promete.
Em Pernambuco, de onde se “fala para o mundo”, se propagandeia que aqui nasceu a “nova política”. Que em nada difere da “antiga”, praticada desde sempre. Todavia os marqueteiros batem nesta tecla, tentando arregimentar votos para o governador, pré-candidato na disputa presidencial.
Aqui se promete muito mais. E se cumpre menos ainda (será esta a “nova política”?). Vejamos o caso emblemático do Complexo Industrial Portuário de Suape, para alguns a redenção de Pernambuco, quiçá do Nordeste e do Brasil.
No modelo adotado busca-se atrair refinarias, estaleiros, termoelétricas e petroquímicas – empresas que estão no topo das que mais agridem o meio ambiente. Acontece que o território do Complexo era habitado, há mais de meio século, por mais de 15 mil famílias nativas, todas dependentes da agricultura familiar e da pesca. Para se livrar desses posseiros indesejados, se iniciou um processo de expulsão com sérios impactos socioambientais. E é aí que começam as promessas, tanto para os moradores como para a sociedade pernambucana, visando justificar a insanidade e a brutalidade que se cometia, contra o meio ambiente e contra os moradores da região. Algumas dessas promessas são citadas a seguir.
Em 2006, foi lançado o projeto do território Estratégico de Suape, integrado pelos municípios do Cabo de Santo Agostinho, Ipojuca, Jaboatão dos Guararapes, Escada, Moreno, Ribeirão e Sirinhaém.
O objetivo seria planejar o desenvolvimento desse território e evitar os impactos negativos da chegada dos grandes empreendimentos a Suape. Assim, se promoveria a ocupação ordenada do território de Suape, evitando-se danos sociais e ambientais. Transcorridos oito anos, o programa não passou da fase de planejamento e os problemas que poderia prevenir acabaram acontecendo, pois os empreendimentos chegaram e as ações prometidas não. Ademais, as demandas sociais se multiplicam, como habitação, saneamento, mobilidade, saúde, segurança e meio ambiente. O que houve neste período foi unicamente o aumento das expulsões de milhares de pessoas que habitavam a região.
Outro projeto de grande repercussão na mídia pernambucana foi o lançamento do programa Suape Sustentável, em junho de 2011. A proposta original era para desenvolver uma gestão integrada do Território de Suape, com a participação das administrações estadual e municipal, das empresas e universidades. O que se viu foi a continuidade do que já vinha sendo feito. Frustração para quem esperava um mínimo de planejamento naquele território.
Na lista dessas ações estava a construção da agrovila Nova Tatuoca, prometida em 2007 aos moradores que foram expulsos para dar abrigo ao polo naval. Os ilhéus foram expulsos e nada de novas moradias. Novas promessas foram feitas e as primeiras unidades seriam entregues em dezembro de 2012, sendo a vila totalmente entregue até março de 2013. Nada!
Agora, é dito na imprensa que um conjunto de 73 casas, cada uma com menos de 40 m2, será entregue antes que o governador deixe o cargo para concorrer à presidência da República. Todavia, denúncias apontam que além da fragilidade e precariedades destas construções, não haverá saneamento básico, e os dejetos das casas serão despejados diretamente no mangue.
Na área ambiental, o desastre é calamitoso. A Assembleia Legislativa de Pernambuco autorizou diversos projetos de desmatamento. O mais devastador, contido na Lei nº 1.496, de 27 de abril de 2010, autorizou a supressão de vegetação permanente, correspondente a uma área de 17 hectares (ha) de Mata Atlântica, 508 ha de mangue e 166 ha de restinga. Até hoje, os moradores procuram os locais que Suape diz que reflorestou, propagandeando ter “zerado” o déficit ambiental naquele território. Também se arrasta há anos a construção do Centro de Tecnologia Ambiental (CTA), outra promessa dos gestores do Complexo de Suape.
Só mais uma, dentre tantas promessas não cumpridas, a relacionada à reforma da estação de trem de Massangana e à chegada do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) até o complexo de Suape, que permanece no limbo, sem data para início nem para conclusão.
Bem, as promessas dos administradores de Suape e do governo do estado ao longo dos anos mostram que fazê-las rende frutos, pois os que prometem são bem vistos e acabam sendo “premiados” com novas posições no governo do estado (seria essa a “nova política”?).
E enquanto nada do prometido acontece, “corre solta” a propaganda com verbas públicas em Pernambuco.
 
Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador geral do Fórum Suape Espaço Socioambiental.
 
Leia também:

Setor elétrico: o sujo falando do mal lavado
O vilão é o modelo mercantil do setor elétrico
‘Voltar a debater racionamento é uma vergonha, face aos bilhões de reais gastos com os grandes consumidores’ (entrevista com Ildo Sauer)

Compartir