O Bem Viver como horizonte estratégico

Por Gerhard Dilger*

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Posfácio ao livro O Bem Viver – Uma oportunidade para imaginar outros mundos de Alberto Acosta que será publicado pelas Editora Autonomia Literária e a Editora Elefante com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. Lançamentos nas cidades de São Paulo (26/1), Rio de Janeiro (27/01) e Mariana (28/01) com a presença do autor.

 
bom_viver_jaqueta_ƒ.inddVivemos uma crise global e múltipla de enormes proporções – política, social, econômica, ecológica, ideológica e ética. O crime ecossocial no Vale do Rio Doce, em novembro de 2015, perpetrado por mineradoras transnacionais com a cumplicidade e omissão de instâncias estatais nacionais e regionais, numa aliança típica dos nossos tempos, tornou-se a advertência mais dramática da podridão do sistema capitalista predador que determina nossas vidas.
Depois de alguns anos de relativo otimismo no Brasil e na América do Sul, fica evidente mais do que nunca que as sociedades do Norte e do Sul globais estão irremediavelmente interligadas e precisam de profundas transformações políticas e ecológicas – muito além do acordo climático de Paris que, mesmo sendo uma resposta insuficiente às múltiplas pressões dos movimentos pela justiça climática, poderia significar um passo na direção correta.
Na América do Sul, saltam à vista as limitações dos governos “progressistas” que, fortalecendo o papel do Estado na economia, avançaram numa distribuição mais equitativa da renda das commodities sem, no entanto, questionar mais profundamente o conceito hegemônico de “desenvolvimento”, vaca sagrada até para grande parte da esquerda mundial. Essas limitações, nos anos iniciais das “revoluções” democráticas na Venezuela, Bolívia e Equador, e das vitórias eleitorais de candidatos de centro-esquerda no Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai e Peru, não eram descartadas por observadores mais prudentes.
Essa onda vermelho-rosada, surgida graças à ação dos movimentos sociais, conseguiu enterrar o projeto imperialista da Alca, em 2005, e deu um apoio vital em momentos críticos aos presidentes Evo Morales, em 2008, e Rafael Correa, em 2009. Mas alimentava esperanças de transformações mais profundas e duradouras. E, last but not least, tinha como bandeira ecossocial visionária o projeto Yasuní-ITT, abortado por uma aliança interesseira de partidários do crescimento a qualquer preço na Alemanha, no Equador e na China.
Alberto Acosta Cochabamba 2010 Foto DilgersitePor que nós, integrantes da Fundação Rosa Luxemburgo no Brasil, consideramos que o Bem Viver pode ser um horizonte útil para pensar melhor as nossas atividades? Como fica bem claro no livro O Bem Viver – Uma oportunidade para imaginar outros mundos de Alberto Acosta, o Buen Vivir é um conceito aberto, de origem latino-americana, que se está constituindo em um aporte genuíno ao debate da esquerda mundial do século 21. Ao mesmo tempo, dentro da esquerda neoclássica que, no Brasil, continua dominando o discurso daqueles e daquelas que estão aspirando a construir uma sociedade nova, anticapitalista, as resistências aos paradigmas pós-desenvolvimentistas como o Bem Viver ou o decrescimento continuam sendo consideráveis – apesar de o Bem Viver, desde o Fórum Social Mundial de Belém, em 2009, vir ganhando mais adesões.
Desde 2011, o Grupo de Permanente de Trabalho sobre Alternativas ao Desenvolvimento, constituído pela Fundação Rosa Luxemburgo dos Países Andinos, com a participação de intelectuais como Alberto Acosta, Maristella Svampa (Argentina), Mario Rodríguez (Bolívia), Camila Moreno (Brasil), Eduardo Gudynas (Uruguai) e Edgardo Lander (Venezuela), vem trilhando caminhos nessa direção.
Quatro livros já foram publicados em espanhol: Más allá del desarrollo, em 2011, Alternativas al capitalismo/colonialismo del siglo xxi, em 2013, ¿Cómo transformar? Instituciones y cambio social en América Latina y Europa, em 2015, e La osadía de lo nuevo: Alternativas de política económica, em 2015. Em 2016, as editoras Autonomia Literária e Elefante e a Fundação Rosa Luxemburgo lançarão uma versão atualizada de Más allá del desarrollo em português.
O trabalho do escritório regional Brasil/Cone Sul está inserido nesses contextos políticos e institucionais. O nosso programa trienal (2015-2017) leva o título “O Bem Viver no Brasil e no Cone Sul: direitos humanos e transformação ecossocial”. Na visão de um ecossocialismo libertário e democrático, que tem como uma de suas precursoras mais lúcidas Rosa Luxemburgo (1871-1919), pretendemos ajudar a abrir e qualificar o debate.
O Bem Viver, do nosso companheiro e amigo Alberto Acosta, na belíssima tradução de Tadeu Breda, é, nesse sentido, uma contribuição bem-vinda, necessária e urgente.
Foto: Gerhard Dilger
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+ Um novo horizonte, por Ana Rüsche
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O Bem Viver – Uma oportunidade para imaginar outros mundos
Editora Autonomia Literária e Editora Elefante
Autor: Alberto Acosta
Tradução: Tadeu Breda
264 páginas, São Paulo, 2015

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* FRL, diretor do escritório regional Brasil/Cone Sul.

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