“Entramos assim de chofre no coração do nosso problema, a dívida não saldada da questão agrária, que persiste no Brasil, configurando-se como obstáculo incontornável a ser superado se quisermos ser uma sociedade integrada de fato: igualitária, justa e livre” Organizado por Isabel Loureiro e André Singer, a publicação “As contradições do lulismo – a que ponto chegamos?”, lançada pela editora Boitempo, busca incorporar uma avaliação sobre o “ensaio desenvolvimentista” tentado pelo governo Dilma no marco do pós crise internacional de 2008 e oferecer uma interpretação original sobre o saldo do percurso lulista desde a vitória do PT nas eleições presidenciais de 2002 no contexto mais amplo da experiência modernizadora brasileira.
Inspirados pelas observações de Chico de Oliveira de que o capitalismo brasileiro se caracteriza pela combinação do arcaico e do moderno eternamente reproduzida, a publicação traz oito capítulos que registram as contradições e ambiguidades que moldaram o período de 2008-2014.
Leia um trecho de «Agronegócio, resistência e pragmatismo: as transformações do MST», texto escrito por Isabel Loureiro, que integra a publicação e traça uma análise sobre a questão agrária no país:
Nas primeiras semanas de março de 2015, uma notícia amplamente divulgada na mídia chamou a atenção. Durante a Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Camponesas, estas realizaram uma série de atividades em 23 estados do país com o objetivo de denunciar o modelo agrícola brasileiro, assentado no agronegócio, defendendo como alternativa a agroecologia. Além das marchas, trancamento de rodovias e ocupações de latifúndios, ações já tradicionais no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), tomamos conhecimento da ocupação da sede da empresa Bunge em Brasília e de uma fábrica de agrotóxicos no Rio Grande do Sul. Mas a ação mais espetacular ocorreu no dia 5 de março, quando cerca de mil mulheres do MST e de outros movimentos sociais camponeses e urbanos dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais ocuparam a sede da empresa FuturaGene Brasil Tecnologia Ltda. (subsidiária da Suzano Papel e Celulose S/A desde 2010) em Itapetininga (SP), local onde eram desenvolvidos testes com eucalipto transgênico, conhecido como H421. Ao mesmo tempo, outras trezentas camponesas ocuparam a própria Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em Brasília, onde ocorria a reunião que liberaria o eucalipto transgênico. A ocupação visava impedir que a CTNBio votasse a favor da liberação do cultivo deste eucalipto no Brasil.
De um lado, agronegócio, agrotóxicos, transgênicos, monopólios agrícolas; de outro, agroecologia, movimentos camponeses – MST, entre mais de cem movimentos socioterritoriais mapeados de 2000 a 2014 –, resistência. Entramos assim de chofre no coração do nosso problema, a dívida não saldada da questão agrária, que persiste no Brasil, configurando-se como obstáculo incontornável a ser superado se quisermos ser uma sociedade integrada de fato: igualitária, justa e livre.