Condomínios privados desestabilizam áreas alagáveis na Argentina

Por Daniel Santini*
umedales2Na Argentina, um trabalho de mapeamento detalhado e de monitoramento da construção de condomínios privados em áreas alagáveis tem ajudado a identificar alterações que afetam a bacia do Rio Luján. Os countries, como são conhecidos tais bairros privados, ganham espaço na região ao norte de Buenos Aires e têm sido erguidos em zonas conhecidas como humedais (em espanhol, humedales). O Rio Luján desagua no Rio Paraná, na altura do município El Tigre, e a confluência termina no delta do Paraná, conhecido na região como Delta do Tigre, uma área repleta de canais navegáveis.
umedales1Para a construção de casas de luxo em áreas alagáveis têm sido utilizadas técnicas como a construção de diques e pôlders, que permitem a ocupação do terreno. Os emprendimentos são organizados em círculos e as casas ficam na beira dos canais, um apelo que serve como atrativo. A modificação do cenário e a expansão de tais condomínios, porém, tem provocado impactos sociais e ambientais na região. Pesquisadores especializados em cartografia social e política relacionam enchentes inéditas em áreas que não eram alagáveis à redução da área de várzea natural do rio.
«Ecofriendly»
«A publicidade apresenta os condomínios fechados de ‘alto padrão’ como condomínios ecofriendly, de boa relação com a natureza. Mas a regra é que são empreendimentos altamente impactantes, que degradam áreas humedales«, diz a geógrafa argentina Patricia Pintos, pesquisadora do Centro de Investigaciones Geográficas (CIG) da Universidad Nacional de la Plata. Mestre em Políticas, Projetos e Gestão de cidades pela Universidade de Barcelona, ela tem estudado** a relação entre a expansão dos condomínios fechados ao redor de Buenos Aires e os alagamentos da periferia da cidade.

Condomínio privado cercado por muro construído em área mais alta ao lado de bairro que alaga.
Condomínio privado cercado por muro construído em área mais alta ao lado de bairro que alaga

«Na região metropolitana de Buenos Aires avança o modelo de urbanização privada das periferias. É um processo de gentrificação com a construção de espaços de lazer para a elite econômica, privando os setores populares do acesso a esse território que tradicionalmente usavam, inclusive para o lazer», explica a geógrafa e professora, que coordenou um livro sobre o assunto (baixe o PDF do La privatopía sacrílega. Efectos del urbanismo privado en la cuenca baja del río Luján – editora Imago Mundi, 2012).
«Há uma área que vem sofrendo inundações frequentes. O que fica embaixo d’água são os bairros populares, não os condomínios fechados. Há vários pontos de inflexão para se mudar esse padrão de urbanização privatista: problematizar a commoditização da natureza; levantar o debate sobre a função social da propriedade; e visibilizar a fraca regulação, como, por exemplo, o não cumprimento das normas ambientais», defende.
Na animação abaixo, feita a partir do levantamento de Patricia Pintos, é possível ver como a parte baixa da bacia do Rio Luján (cercada por uma linha amarela/verde) foi ocupada por tais emprendimentos privados (destacados em preto/amarelo). Em azul estão os rios e córregos e em vermelho as duas principais estradas que atravessam a região.
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No mapa
No OpenStreetMap também é possível ver alguns dos condomínios construídos em áreas alagáveis. Confira e navegue pelos mapas:


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* Texto originalmente publicado no Código Urbano.
** As imagens e citações deste texto são parte da apresentação feita pela pesquisadora Patricia Pintos durante o seminário «Bem Viver na cidade – perspectivas para o Brasil e o Cone Sul», realizado pela Fundação Rosa Luxemburgo de 14 a 17 de junho de 2015 em Parelheiros, na grande São Paulo. A sistematização das falas da pesquisadora foi feita por Thaís Brianezi.

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