Por Fundação Rosa Luxemburgo
Futebol é só negócio? Ou um instrumento para ascensão política? Jornalistas Juca Kfouri e Martin Ling ignoram que futebol e política não se discute e, em roda de conversa aberta, falam sobre FIFA, CBF, Congresso Nacional, migração na Europa, Copas do Mundo, St. Pauli e Corinthians
Os jornalistas Juca Kfouri, colunista do jornal Folha de S. Paulo e autor do Blog do Juca, e Martin Ling, editor do diário alemão neues deutschland, discutiram a relação entre futebol e política em debate realizado no auditório da Fundação Rosa Luxemburgo, em São Paulo. O encontro marcou o lançamento da publicação Futebol. Poder. Crise. O futebol do sul da Europa, uma análise feita por Ling sobre a situação dos clubes no contexto da crise política e econômica nos países do sul da Europa. A conversa foi mediada pelo também jornalista Daniel Santini, coordenador da Fundação Rosa Luxemburgo, e contou com tradução de Claudia Dornbusch.
Martin Ling é alemão e escreve normalmente sobre economia e política da África e América Latina. É um apaixonado por futebol e tem como ídolo o ex-jogador alemão Bernd Schuster, que brilhou nos anos 80 defendendo o Barcelona. Ling viaja até hoje pelos menos duas vezes por ano para a Catalunha só para ver os jogos do time. Ele fala espanhol, mas ao apresentar seu trabalho e descrever meandros dos bastidores de clubes da Europa e da Fifa, contou com a ajuda da tradução.
De maneira resumida, apresentou os últimos desdobramentos das investigações de corrupção na FIFA, inclusive o escândalo que colocou sob suspeita a escolha da Alemanha como sede da Copa do Mundo de 2006, e envolveu o ex-jogador Franz Beckenbauer (leia as explicações de Beckenbauer sobre o caso em alemão na revista Spiegel, o texto de Andreas Rüttenauer sobre o «conto de fadas de verão» – a Copa de 2006, na Alemanha, no nosso livro sobre a Copa de 2014 -, e para entender melhor os bastidores da FIFA, a dica é buscar os livros «Jogo Sujo» e «Um Jogo Cada Vez Mais Sujo», de Andrew Jennings.
Ling mencionou ainda problemas estruturais na maneira como o futebol está organizado hoje, inclusive a questão dos subsídios públicos aos clubes, tema também abordado na publicação. Ao tratar da crise na Espanha, ele destacou, por exemplo, o contraste entre os gastos vultuosos dos principais clubes e a realidade econômica do país, citando estudos que alertam para a distopia entre contratações milionários e endividamento crescente de algumas equipes.
Os subsídios foram a deixa para que Juca Kfouri lembrasse da quantidade de recursos públicos gastos com a construção de estádios no Brasil, questionando as prioridades adotadas pelo Governo Federal. Compartilhou bastidores de encontros com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, destancando que dos três apenas Lula conhece futebol.
Sobre a Copa do Mundo de 2014, ainda citou casos específicos, como o desequilíbrio dos gastos com o estádio em Manaus, em meio à carência em áreas como saúde, educação e moradia (sobre a construção da Arena Amazônia, vale ler a detalhada reportagem literária do BRIO).
Juca comentou os escândalos envolvendo a CBF, incluindo a prisão do ex-presidente da organização, José Maria Marin. Em um depoimento pessoal, o jornalista contou que soube da notícia quando estava no hospital se recuperando de uma trombose na perna. «Eu quase morri e não ia nem ficar sabendo da prisão, olha que ironia», afirmou, em referência às seguidas denúncias que publicou ao longo dos últimos anos sobre desvios envolvendo o órgão máximo do futebol no Brasil, uma miríade de denúncias envolvendo o ex-presidente Ricardo Teixeira e outros cartolas (sobre Ricardo Teixeira, vale conferir o perfil detalhado publicado pela revista Piauí).
Também mencionou os problemas envolvendo o atual presidente da CBF, Marco Polo del Nero, investigado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e o vice-presidente Antonio Carlos Nunes de Lima, o Coronel Nunes, considerado seu sucessor direto na disputa pelo poder na entidade (veja a capa histórica do jornal LANCE! sobre a política na CBF). Além de contar sobre os bastidores políticos da organização, Juca comentou também como o futebol serve de plataforma para políticos, lembrando da Bancada da Bola, frente parlamentar que faz lobby dentro do Congresso Nacional.
Categorias de base e horizontes
A conversa entre os dois jornalistas foi bastante informal; não faltaram provocações do alemão em relação à vitória de 7 a 1 contra o Brasil na final da Copa do Mundo, por exemplo. Além das denúncias e escândalos de corrupção e dos problemas relacionados à maneira como o esporte é utilizado por políticos, ambos também falaram de soluções possíveis e encaminhamentos.
Ling, por exemplo, mencionou o trabalho feito pela Alemanha nos últimos anos para fortalecer as categorias de base, com a preocupação de garantir o acesso ao esporte a toda uma geração de jovens, tudo feito de maneira a fortalecer o sistema escolar também. Ele relaciona o sucesso do país na última Copa aos investimentos feitos com crianças e jovens, e destaca que a preocupação em relação à educação beneficiou toda uma geração de maneira integral, não ficando o avanço restrito a um grupo de estrelas que se destacou.
Em 2012, após a morte do adolescente Wendel Junior Venâncio da Silva, de 14 anos, durante teste de futebol no Vasco, a Organização Internacional do Trabalho chegou a defender uma reformulação das categorias de base no Brasil e o Ministério do Trabalho e Emprego prometeu ampliar fiscalização sobre as condições de adolescentes vinculados a clubes. Questionado a respeito, Juca Kfouri defendeu que é preciso repensar a estrutura das categorias de base também no Brasil.
Os depoimentos de Martin Ling e Juca Kfouri foram registrados em vídeo e serão editados e publicados em 2016. Cadastre-se na coluna ao lado na newsletter da Fundação Rosa Luxemburgo para receber atualizações sobre este e outros assuntos.
Fotos: Gerhard Dilger e Verena Glass