Por Verena Glass*
A líder indígena hondurenha Berta Cáceres, co-fundadora e coordenadora do Consejo Cívico de Organizaciones Populares e Indígenas de Honduras (Copinh) desde 1993, foi assassinada nesta quinta feira, 3, em sua casa. Por que?
Berta liderava a luta contra a construção da hidrelétrica de Agua Zarca no rio Gualcarque, departamento de Santa Bárbara, noroeste de Honduras.
Por que?
Agua Zarca está projetada sobre o território dos indígenas lenca, etnia de Berta. De acordo com seu planejamento, a usina deverá secar o rio Gualcarque, impossibilitando o cultivo das terras comunais indígenas bem como a pesca e demais atividades dependentes do rio. As obras, iniciadas em 2011, já destruíram grandes parcelas de agricultura familiar e florestas, desencadeando um dos maiores movimentos indígenas de resistência do país.
Licenciada pelo governo hondurenho logo após o golpe militar de 2009, Água Zarca incorre, entre outros, nos crimes de desrespeito a:
– O direito dos indígenas à consulta previa, livre e informada prevista pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho
– Os artigos 14 e 15 da Convenção 169 que estabelece os direitos das populações indígenas de usar, proteger e conservar seu território tradicional e seus bens naturais
– O artigo 8º da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das Populações Indígenas (UNDRIP), que estabelece que os governos devem proteger as populações indígenas de medidas que resultem na perda de valores culturais e da identidade étnica
Com a morte de Tomas, a hidrelétrica foi parcialmente paralisada, e a região completamente militarizada. Inúmeras denúncias da Copinh e de organizações internacionais de Direitos Humanos e ambientais foram enviadas ao setor que, à parte do governo de Honduras e da DESA, é responsável e beneficiário do projeto: investidores e fornecedores.
Receberam denúncias o CAMIF, braço do Banco Mundial e primeiro grande financiador; a empresa chinesa Sinohydro, primeira operadora do projeto; o Banco Centroamericano de Integração Econômica (BCIE), co-financiador; o banco de fomento estatal holandês FMO, co-financiador; o banco de fomento estatal finlandês Finnfund, co-financiador; e a empresa alemã Voith-Siemens, fornecedora de turbinas.
Em 2014, CAMIF e Sinohydro se desligaram do projeto em função do dano à imagem que a repercussão das crescentes denúncias de violação e militarização de Água Zarca atingiu. Os demais investidores e beneficiários internacionais, no entanto, permaneceram. O BCIE com 24 milhões de dólares. O FMO do governo holandês, com 15 milhões. O Finnfund do governo finlandês, com cinco milhões.
Ainda em 2014, a despeito da desistência do parceiro CAMIF, o FMO reagiu às denúncias da Copinh na imprensa holandesa com uma nota na qual declara que “considera as informações unilaterais, sugestivas e incompletas (…) e não comprovadas por fatos”. E prossegue: “o FMO está ciente que financiamos empreendimentos em Estados frágeis e que projetos de infraestrutura podem suscitar resistências entre os atingidos”.
Nesta sexta, 4, diante da comoção mundial com o assassinato da diretora da Copinh, o banco soltou outra nota**, lamentando o seu “falecimento” e os “eventos que ocorreram em Honduras e que levaram à morte de Berta Cáceres (…). Nossos pensamentos estão com ela e com os que ela deixa para traz”. Já a Finnfund, em sua nota de “pesar” divulgada também nesta sexta, lamenta a morte de Berta mas argumenta que a resistência da Copinh tem elevado os níveis de conflito, que a usina não causa impactos consideráveis sobre as comunidades e que há um linchamento do empreendimento por parte da opinião pública. O BCIE e a Siemens não se pronunciaram.
Nós, do Xingu Vivo, conhecemos Berta Cáceres há tempos. A reencontramos em outubro de 2015, na WISER – Cúpula Indígena Mundial sobre Rios e Meio Ambiente, na ilha de Bornéu. Muito do que se passa em seu território, passa no nosso; a começar pelas violações dos tratados internacionais, pela militarização dos canteiros de obra (assim como a Força Nacional de Segurança se instalou nos canteiros de Belo Monte, as forças armadas hondurenhas operam de dentro das instalações da DESA), ou pela ganância das corporações transnacionais e pela criminosa leniência dos agentes financiadores. Nós também estamos perdendo o rio que morre de sede e falta d’água, também perdemos nossas terras, roças, cultura, subsistências. Mas, apesar de termos perdido companheiros de morte morrida, não os perdemos de morte matada.
Onde está o tribunal internacional para julgar e punir o FMO, o Finnfund, o BCIE, a Voith-Siemens, o governo de Honduras, a DESA, por nos terem tirado nossa irmã e companheira? Nem nos interessa saber quem apertou o gatilho que a matou em sua casa. Se estes acima não existissem, não tivessem criado Água Zarca, ela ainda estaria entre nós.
Porque somos sempre nós, os que vivem nos territórios mais bonitos do Planeta, que devemos sofrer e morre em nome do “desenvolvimento”? Quem se “desenvolve” às custas dos nossos mortos? Não é sempre a conta bancária de outros, sempre os outros?
O capital nacional e internacional que matou Berta em Honduras tem nome. Assim como o capital aqui no Xingu. Vamos nomear DESA, FMO, Finnfund, BCIE, Voith-Siemens. Vamos nomear Norte Energia, Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS, Engevix, BNDES, Voith-Hydro, General Electric-Alstom, Andritz, Mapfre, IRB, Allianz, Munich Re.
Assim como o nome de Berta Cáceres não morrerá nunca, o nome de quem nos mata, rápida ou lentamente, também não será esquecido. Justiça já!
Movimento Xingu Vivo para Sempre
* A nota foi escrita originalmente para o Movimento Xingu Vivo para Sempre. Mais noticias da relação do MXV com Berta no texto O encontro do Tapajós e do Xingu com Berta Cáceres na Malásia
** A palavra «falecimento» foi utilizada na nota original. Após inúmeros protestos de ativistas de todo o mundo, o FMO modificou o termo para «morte violenta»