Renovar o pensamento anticapitalista

Debate de lançamento de livro sobre a obra de Michael Löwy discute a necessidade de se pensar novas perspectivas para a esquerda que superem a aposta cega no desenvolvimentismo

O autor Fabio Mascaro Querido e Ana Rüsche, mediadora do debate
O autor Fabio Mascaro Querido e Ana Rüsche, mediadora do debate

Por Jorge Pereira Filho
Um debate sobre a necessidade de recuperar a dimensão utópica do projeto anticapitalista marcou o lançamento da obra de Fabio Mascaro Querido sobre a trajetória intelectual de Michael Löwy. Organizado pela Fundação Rosa Luxemburgo, com apoio da Editora Boitempo, no dia 12 de maio, em São Paulo, o evento contou com a participação da filósofa Isabel Loureiro e do sociólogo Marcelo Ridenti, além do próprio Querido. O debate foi mediado por Ana Rüsche, da Fundação Rosa Luxemburgo.
A obra Michael Löwy: marxismo e crítica da modernidade discorre sobre as raízes do pensamento do sociólogo brasileiro radicado em Paris desde o final dos anos 1960. Em sua investigação, Mascaro discute que Löwy articulou ao longo de sua trajetória influências de autores marxistas, como Rosa Luxemburgo, Walter Benjamin, Georg Lukács e Lucien Goldmann, com um leque variado de tradições distintas – como mostram suas reflexões sobre Max Weber, seu envolvimento com o romantismo, seus estudos sobre as utopias religiosas. Mascaro entende que um dos pontos nodais do pensamento de Löwy que condensam esse percurso heterodoxo é a defesa do ecossocialismo: “Em 1979, em Marxismo e romantismo revolucionário, ele já refletia sobre  a importância de se retomar a crítica romântica de modernidade por conta da crise civilizatória e ecológica que o mundo vivia. Mas é na virada dos anos 2000 que ele entra de fato na discussão do ecossocialismo e essa talvez seja uma questão que sintetize um pouco todos os temas que se acrescentam na sua obra”.
No pensamento de Löwy, percebe-se um projeto de renovação do marxismo, no sentido de uma intensificação de sua ruptura com as ideologias do progresso ou com o paradigma civilizatório do capitalismo moderno. “Nos anos 1990, Löwy discute a necessidade de fazer uma leitura anticapitalista do Weber, retomando o diagnóstico dele da modernidade, e conferindo uma perspectiva libertária, ao propor que o marxismo libertário pode romper com a Jaula de aço weberiana”, comenta.
Para Isabel Loureiro, o mérito do livro de Mascaro é apresentar o fio condutor de uma obra muito vasta e de difícil sistematização. A filósofa ressaltou que, desde o início da carreira acadêmica, Michael Löwy procurou desmontar certo marxismo determinista, economicista. “O jovem Michael faz a crítica ao marxismo da Segunda Internacional. Sua grande influência é Rosa Luxemburgo, que ele diz ser o grande amor da vida dele. Ele nunca entrou no Partido Comunista quando vivia no Brasil, nem teve simpatia, graças também muito ao Paul Singer, aí está a raiz da coisa”, considera.
De certo modo, explica Isabel Loureiro, a Segunda Internacional partilhava da ideia expressa na frase do Plekhanov de que a vitória do socialismo era tão certa como o sol que iria raiar amanhã. Uma visão de mundo que contrastava radicalmente com o pensamento de Rosa, para quem os textos marxistas não eram “uma Bíblia com verdades de última instância, acabadas e válidas para sempre”, mas sim um manancial inesgotável de sugestões para “levar adiante o trabalho intelectual, continuar pesquisando e lutando pela verdade”. Essa frase de Rosa seria um mote, uma orientação para o Michael, continuar lutando pela verdade. “O que interessa a ele são os problemas do presente”, complementou.
Desenvolvimentismo reeditado
Marcelo Ridenti procurou caracterizar o pensamento de Löwy em meio à formação daquela geração de intelectuais que se formou no Brasil entre 1950 e 1960, composta por muitos filhos de imigrantes (Francisco Weffort, Roberto Schwarz, Paul Singer) que eram, em sua maioria, os primeiros de suas famílias que chegavam à universidade. O sentimento geral, diz ele, era de uma aposta no desenvolvimento, na construção do Brasil como nação, um ideário em relação ao qual Löwy tinha uma posição mais crítica já naquela época. “O golpe militar quebra esse projeto nacional desenvolvimentista, cujos críticos não tinham uma alternativa formulada. E essa é uma coisa que, de certa forma, se recoloca na sociedade brasileira, com a reedição de certo tipo de desenvolvimentismo”, complementou Ridenti.
A filósofa Isabel Loureiro e o sociólogo Marcelo Ridenti, na Fundação Rosa Luxemburgo
O sociólogo Marcelo Ridenti e a filósofa Isabel Loureiro participaram do debate na Fundação Rosa Luxemburgo

Para Isabel Loureiro, ainda está colocado um determinado dilema para a esquerda sobre como manter o ímpeto transformador quando se alcança a administração do aparelho do Estado. “Consegue-se, por uma maneira ou de outra, por uma vanguarda ou por uma retaguarda, como no caso do Brasil, tomar o Estado. Mas, para os revolucionários, o problema que se coloca é justamente esse: e depois?”.
Isabel Loureiro citou uma passagem de um texto de Roberto Schwarz sobre Michael Löwy que ilustra bem essa situação: “Quando se tratava de construir, na etapa subsequente, a sociedade superior e alcançar o bem-estar dos países adiantados, o peso do determinismo econômico reapareceu com toda a força, ao passo que o voluntarismo revolucionário se mostrou insuficiente”, escreveu ele sobre as experiências socialistas de gestão do Estado.
Mascaro comentou que Roberto Schwarz entende que no próprio Seminário do Capital existia essa esperança na modernização. Mesmo com as ressalvas ao Partido Comunista, partilhava-se de certa maneira da ideia de que só a industrialização iria resolver os problemas do país.
É foi justamente a essa interpretação que Michael Löwy se contrapôs, a um entendimento do marxismo de que é preciso desenvolver ininterruptamente as forças de produção. “Esse marxismo que Michael critica é parente do liberalismo. Tudo isso está dentro do espectro do iluminismo, que acredita no avanço constante da humanidade graças ao desenvolvimento da ciência e tecnologia que vai resolver todos os nossos problemas”, comentou Isabel.
Para ela, se o século XX desmitificou bastante a ideia de progresso, com as tragédias que aconteceram, isso não aconteceu no Brasil. “Nossa melhor esquerda continua sendo governamental, produtivista, desenvolvimentista. Acredita no fetichismo do desenvolvimento das forças produtivas”, acrescentou, citando a aposta do governo em megaobras, uma imitação do que os militares fizeram. Isabel concluiu: “A visão do Michael é muito importante para a esquerda brasileira, chegou o momento para pensar, gostaria que sobretudo a esquerda governamental pensasse sobre o que fizemos nesses 12 anos”.
Marcelo Ridenti concordou que foi dramático o apoio do governo a um desenvolvimentismo cego, mas ponderou se não seria possível justamente conciliar dois aspectos presentes na obra de Walter Benjamin que tanto influenciou Löwy: a crítica romântica e um certo encanto com a possibilidade da tecnologia. “Acho que esses dois pontos não são necessariamente antagônicos, é possível você pensar a tecnologia, o progresso, o desenvolvimento, e ao mesmo tempo pensar a preservação, a ecologia, pensar um outro mundo em que o movimento da esquerda não seja exclusivamente na direção do desenvolvimento pelo desenvolvimento, mas que não seja também a ideia de que você possa fazer um socialismo na pobreza.”
Para ele, as gestões petistas produziram o que considera um “drama terrível”, em sua aposta cega no desenvolvimentismo e numa integração social pelo consumo. “Houve um terremoto cultural no país, que aconteceu com um nível de baixa qualidade e muita quantidade. Isso mexe com o imaginário das pessoas, com angústias, projeções, desejos. Essa ampliação dos setores médios que ocorreu na nossa sociedade é muito maior do que o processo que vivemos nos anos 1960 e, de certa maneira, isso recoloca os dilemas que existiam naquele tempo”.
Fotos: Gerhard Dilger
 

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