Por Gustavo Codas, Kjeld Jakobsen, Rose Spina (orgs.), FPA
Apresentação
Em 5 de novembro de 2005 em Mar del Plata, na Argentina, a Cúpula das Américas reuniu chefes de governo de todos os países do continente – de fora apenas Cuba – para encerrar com um estrondoso fracasso as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), iniciadas mais de dez anos antes.
Porém, quatro anos antes, em abril de 2001, na cúpula realizada em Quebec (Canadá), não era possível prever tal desenlace. Marchávamos a passo firme para concluir as negociações no prazo de uma década, como fora estipulado por ocasião de seu lançamento, em 1994, pelo governo dos Estados Unidos (EUA).
Foi a irrupção do ciclo de governos progressistas na região que bloqueou essa iniciativa. No caso brasileiro, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e a indicação de Celso Amorim como ministro das Relações Exteriores levaram o governo a colocar os temas do desenvolvimento como balizas em suas negociações comerciais internacionais e abrir a política exterior do país à participação dos movimentos sociais – antes reservada aos lobbies empresariais.
No Brasil e em outros países da região – como Venezuela, Argentina e Uruguai –, a mobilização que vinha sendo construída nas ruas convergiu com uma posição firme dos governos em questionar as negociações da Alca. E, em Mar del Plata, a ação consertada dos governos do Mercosul mais a Venezuela fez com que a Cúpula, com a presença do presidente dos EUA George W. Bush, tivesse de reconhecer o fracasso da iniciativa.
Ao entregar este livro aos leitores e leitoras, a Fundação Perseu Abramo (FPA) quer proporcionar-lhes compreender o que foi o projeto Alca, por que fracassou no desenho proposto por seus formuladores e o que ocorreu após sua derrota.
No primeiro capítulo, de introdução ao tema, Kjeld Jakobsen traça um amplo panorama de como os temas que se encontravam na pauta da Alca estão presentes hoje nas negociações comerciais internacionais às que o Brasil deve responder.
Nos dois capítulos seguintes, recuperamos artigos publicados na época em que a Alca se encontrava ainda em debate e que explicam o sentido da proposta e o conteúdo de suas cláusulas. Ana Maria Stuart, nossa saudosa companheira assessora da Secretaria de Relações Internacionais do PT, coloca a Alca na perspectiva histórica das relações EUA-América Latina. E do livro Alca – Quem ganha e quem perde com o livre comércio nas Américas, de Kjeld Jakobsen e Renato Martins (publicado pela FPA), extraímos parte em que a pauta em negociação é destrinchada e explicada.
No capítulo seguinte, a jornalista Mayra Castro recupera o que foi a Campanha Continental contra a Alca, sua paciente construção ainda nos anos 1990 com a constituição da Aliança Social Continental (ASC) e seu auge após a Cúpula dos Povos, realizada em paralelo e oposição ao evento oficial em Quebec (2001). Para enriquecer ainda mais esse resgate, nós contamos com os depoimentos de Héctor de la Cueva, Rosilene Wansetto, Carolina Dantas e da Secretaria Executiva do Foro de São Paulo.
Em seguida, Terra Budini estuda a estratégia do governo dos EUA depois do fracasso de Mar del Plata. Trata-se de um tema-chave porque fica evidente que a diplomacia norte-americana continua ativa e avançou nas áreas onde havia menor resistência, ou governos que tinham afinidade com sua política.
Encerrando o livro, publicamos artigos de dois diplomatas que tiveram atuação decisiva no governo brasileiro para bloquear o acordo da Alca. Samuel Pinheiro Guimarães, que foi secretário-geral do Itamaraty, escreve sobre os perigos que a pauta em negociação com a União Europeia representam para o Brasil, e Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores durante os dois governos Lula, apresenta os desafios que o Brasil vive hoje quando os setores da direita tentam, no bojo da crise política que o país atravessa, retomar a agenda internacional derrotada pelo ciclo progressista.
Com este livro, a Fundação Perseu Abramo (FPA) tem por objetivo celebrar os dez anos da derrota daquela ameaça a uma América Latina soberana e também reacender o debate sobre os rumos de uma política exterior de acordo com os interesses de nossos povos.
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