Muitas frentes, uma certeza: o protagonismo da resistência é feminino

No marco das ações do 8 de março,  a Fundação Rosa Luxemburgo conversou com mulheres de distintas articulações que apresentam as bandeiras pelas quais estão em luta
Por Christiane Gomes
Marcha das preta
Marcha das Mulheres Negras em Brasília em 2015
Elas estão na linha de frente da organização de ações que defendem, em todo o mundo, a necessidade da mobilização contra o avanço das políticas liberais e do conservadorismo que aprofunda o machismo, o racismo e a desigualdade social. Neste 8 de março (e para além dele), as mulheres reiteram sua força em todo o mundo e dão o tom de um movimento diverso e transformador. No Brasil, os protestos terão a marca do rechaço às políticas do governo de Michel Temer, como a Reforma da Previdência, e toda forma de violência contra a mulher.
A Fundação Rosa Luxemburgo conversou com mulheres de distintas articulações que apresentam as bandeiras pelas quais estão em luta no próximo 8 de março. Confira abaixo as entrevistas:

sonia coelhoSonia Coelho, representante da SOF (Sempreviva Organização Feminista), da Marcha Mundial de Mulheres e integrante da organização das mobilizações do 8 de março na cidade de São Paulo

Fundação Rosa Luxemburgo – Nesse momento complexo, do ponto de vista social e político que o Brasil enfrenta quais as reivindicações principais que vocês vão levar para a rua nesse 8 de Março de 2017?
Sônia Coelho – Durante as reuniões preparatórias para as mobilizações, avaliamos que vivemos um momento muito grave da nossa democracia, que foi o golpe que aconteceu em 2016 no país, com uma situação de retrocesso de direitos e a ascensão do conservadorismo. Nesse sentido definimos que a luta contra a reforma de previdência seria uma das bandeiras principais, e que temos que, com muita força, colocar essa bandeira na rua,  afinal, da forma que está sendo colocada a reforma, só aprofundará as desigualdades entre homens e mulheres na sociedade brasileira.
Tal reforma irá atingir, principalmente, as trabalhadoras rurais, professoras, as mulheres mais pobres, porque a maioria não vai conseguir se aposentar com um tempo de contribuição de 49 anos. Os próprios dados da previdência mostram que a maior parte das mulheres no Brasil não se aposentam por contribuição, mas por idade porque não conseguem contribuir 30 anos. Então, para nos é urgente e fundamental que façamos dessa luta uma luta das mulheres, para que elas entendam o que está acontecendo no Brasil e que o nosso futuro está ameaçado. Grande parte das brasileiras não terão autonomia econômica e tampouco uma velhice digna. E tudo isso que está sendo feito em nome da iniciativa privada, de passar recursos para os bancos e fundos privados.
FRL – E para além da reforma da previdência, quais os outros pontos cruciais?
SC –
Há outras pautas que são defendidas apenas pelas mulheres. Uma bandeira fundamental é o combate à violência contra as mulheres e ao feminicídio. Apesar das conquistas como a Lei Maria da Penha, o crescimento da violência contra as mulheres está vertiginoso, principalmente as mais jovens e negras. Esta é uma pauta que precisamos ter sempre no 8 de março porque se os movimentos feministas e os movimentos das mulheres não falarem disso, outros movimentos não assumirão essa bandeira, até podem abordar a questão, mas não vão assumir como prioridade. E estamos nos referindo à violência contra todas as mulheres, considerando as trans e lésbicas também. Outro tema que sempre precisa estar na pauta é a legalização do aborto, dos direitos sexuais e reprodutivos que só são defendidos pelas mulheres.
FRL – Qual tem sido a relação com o movimento global que está convocando a greve geral das mulheres?
SC – Em relação à questão da greve internacional, ela está sim na nossa articulação e esteve presente em nossos debates preparatórios. Tanto que nosso manifesto começou exatamente falando da importância de as mulheres articularem sua luta em todo o mundo; de como é fundamental estarmos à frente da resistência contra a violência e o conservadorismo. Nosso chamado é: “A aposentadoria fica; Temer sai: paramos pela vida das mulheres”.
Porém, tínhamos que pautar a previdência, a violência e toda esta situação que vivemos no Brasil, neste contexto de golpe. Ou seja, assumir uma articulação internacional, a partir também da nossa realidade. Pois paramos pela vida das mulheres. E neste caminho estão mais de 60 organizações como movimentos sociais, coletivos, partidos, centrais sindicais, movimentos de juventude, de mulheres negras.
 
fotoNilza Iraci, integrante da organização Gelédes e do Núcleo Impulsor São Paulo da Marcha de Mulheres Negras
Fundação Rosa Luxemburgo –  As mulheres negras no Brasil têm pautado a importância de relacionar raça com gênero nas lutas feministas. Por que esta percepção é importante? E em  que medida ela contribuirá para as transformações que queremos/precisamos?
Nilza Iraci –
As mulheres negras sempre estiveram alinhadas com as pautas do movimento feminista enquanto têm buscado que esse movimento incorpore a questão do racismo em suas pautas. Considerando que o racismo estrutura as desigualdades, inclusive entre as mulheres, o que é demonstrado por qualquer indicador social.
Recente Diagnóstico sobre a Situação das Mulheres Negras Brasileiras apresentado pela Geledés e a instituição Criola, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), demonstram, de maneira inequívoca, a situação de violação de direitos das negras brasileiras. Nosso entendimento é de que uma sociedade será verdadeiramente democrática quando for capaz de reconhecer as diferenças e deixar de tratá-las como desigualdades.
O movimento feminista precisa assumir que a mulheres negras não querem estar nas pautas e agendas do movimento como as «coitadinhas», as que sofrem mais, mas querem um compromisso de que o feminismo, um movimento ousado e de libertação, assuma com ousadia e coragem a luta de todas as mulheres, negras, indígenas, trans, profissionais do sexo, lésbicas, trabalhadoras domésticas, das mães de jovens assassinados e sempre considerando as suas especificidades.
FRL –  De que maneira o 8 de março de 2017 está inserido na agenda do movimento de mulheres negras no Brasil? Quais serão as principais bandeiras de luta?
NI –
As mulheres negras sempre inseriram o Dia Internacional da Mulher na sua agenda. Entretanto ainda esperam que o feminismo insira na sua agenda o 25 de julho, Dia  da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha, abrindo mão do seu protagonismo para ouvir as vozes de 49 milhões de mulheres brasileiras. As bandeiras de luta estão expressas no documento da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver, e que além de amplamente divulgada para a sociedade, foi apresentada para a então presidenta Dilma Rousseff e autoridades em nível nacional, estadual e municipal.
FRL – Como você vê, em termos estratégicos, a articulação internacional de mulheres que está em curso?
NI –
A articulação internacional não é algo novo para as mulheres negras. Temos estado em conexão com companheiras da região através da Red de Mujeres Afrolatinoamericanas Caribenhas,  com as africanas, com as Black Mothers e as negras diaspóricas da Europa. Exemplo bem concreto dessa articulação pode ser visto no grande apoio internacional e expressiva presença dessas mulheres na Marcha das Mulheres Negras realizada em novembro de 2015 e que reuniu cerca de 50 mil mulheres em Brasília.
 
marinaMarina Costin Fuser, Grupo 8M, cineasta e pesquisadora de gênero
Fundação Rosa Luxemburgo – Como teve início a organização deste grupo 8M que se pauta mais especificamente pela greve internacional das mulheres?
Marina Costin Fuser – A proposta desta iniciativa começou quando chegou até mim, a partir do manifesto compartilhado e popularizado pela ativista estadunidense Angela Davis (a partir do Women’s March), e que foi redigido por uma articulação internacional que partiu do grupo Ni Una Menos, da Argentina e da greve das polonesas. Como sou doutoranda em Gênero no Reino Unido e estudei por um período na Universidade de Berkeley no Departamento dos Estudos de Gênero, estou em diálogo com muitas feministas internacionais. Quando recebi o convite de ativistas peruanas para fazer a cobertura da paralisação das mulheres aqui no Brasil, percebi que não tinha nenhum grupo articulado internacionalmente.
Então, criei o grupo 8M Brasil e divulguei nas listas online onde acostumo divulgar meus artigos.  O conteúdo viralizou com mais de cinco mil mulheres, esta articulação nasceu e dela, outros grupos foram criados em todo o Brasil. Nos articulamos online, mas temos o objetivo de ir pra rua e com pautas  concretas. É importante ver que foi estas redes online que nos deu a possibilidade da articulação com elas, que são meninas periféricas, do centro, brancas, negras com uma pluralidade cultural e social e que são muito jovens.
FRL – Quais os principais pontos de pauta que da organização do 8M que estão levando para a rua na quarta feira?
MCF – Estamos organizando o dia internacional das mulheres, como um grande eixo que agrega o «nenhuma  a menos» e «nenhum direito a menos» com as questões mais específicas. A gente está apostando em poucas bandeiras para manter a unidade e ter um consenso que envolva todas as mulheres. Organizamos algumas oficinas preparatórias, onde incentivamos que as pessoas, em vez de esperar que as suas bandeiras e demandas apareçam, levem cartazes colocando um pouco daquilo que têm como reivindicações mais sensíveis. Porque a gente está lidando com uma juventude que não necessariamente vai se envolver ou se articular com movimentos mais tradicionais. Então, é um pouco um apelo para que as mulheres tenham uma iniciativa em defender o que importa para elas, porque aí, com certeza, haverá muitos pontos em comum.
FRL –  A seu ver, qual a importância estratégica da articulação internacional entre os movimentos de mulheres?
MCF –
Eu vejo que o contexto que vivemos na política que não se restringe apenas ao Brasil. No nosso grupo, há setores que não classificam de “golpe” o que aconteceu. Eu particularmente defendo que foi, sim, um golpe institucional e que atravessamos um estado de exceção que não está descolado da eleição dos Estados Unidos, do Brexit no Reino Unido, do Macri na Argentina, movimentos que provocam nacionalismos fascistas ou de um conservadorismo extremo. O que acontece no mundo agora é uma ala da direita que tem um caráter cultural muito forte, uma reação aos direitos LGBTs, de mulheres, negros.
São reações aos movimentos sociais que, surgidos nos anos 90, se consolidaram, criaram bases sólidas, o que assusta uma ala conservadora que vem ganhando muita base. Deixando para xs filósofxs uma leitura mais aprofundada  deste momento, mas enquanto movimento feminista creio que estamos nos organizando no mundo inteiro. São as mulheres que estão melhor preparadas para organizar a resistência a este ataque, justamente porque fazemos também uma batalha no campo das ideias e da cultura, com especial destaque para o movimento das mulheres negras que estão se fortalecendo cada vez mais, o que é maravilhoso.
Fotos Marcha das Mulheres Negras, Nilza Iraci, Marina Fuser: Facebook; Sonia Coelho: Elaine Campos
 

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