Durante 24 horas, participantes debateram na Casa do Povo, em São Paulo, questões como criptografia, privacidade, liberdade na rede e segurança digital. Lógica da economia de compartilhamento baseada em corporações multinacionais é questionada
Por Daniel Santini
A edição de 2017 da CryptoRave, principal evento sobre criptografia e segurança digital do Brasil, reuniu centenas de pessoas nos dias 5 e 6 de maio, na Casa do Povo, no Bom Retiro, em São Paulo. O evento, financiado coletivamente por meio de 555 doações, durou 24 horas e contou com mais de 200 atividades, com debate de temas variados, incluindo hacking, anonimato, privacidade e liberdade na rede. Entre as ideias defendidas, a importância de se manter espaços livres na internet fora dos «jardins murados», como são chamadas as redes sociais proprietárias controladas e grandes portais.
Nos diversos salões da casa, xs palestrantes se revezaram falando sobre temas diversos, desde assuntos mais técnicos, como, por exemplo, formas de se proteger da vigilância e garantir privacidade na rede, até pontos mais políticos – entre as mesas realizadas estavam debates a respeito de assuntos tão variados como Reforma agrária do ciberespaço, Criptografia e Agroecologia, Privacidade e Relações de Trabalho. As discussões foram distribuídas pelos diferentes andares do edifício histórico – a Casa do Povo foi inaugurada em 1953 por imigrantes judeus progressistas da europa oriental em homenagem aos que sucumbiram na II Guerra Mundial, e hoje é gerida por uma associação cultural sem fins lucrativos.
As conversas trataram de questões atuais, incluindo mudanças na estrutura da internet e no seu uso. Entre os pontos abordados, estiveram as alterações que favoreceram a ascensão de um capitalismo de vigilância baseado em dados e algoritmos, um modelo de negócios pouco transparente marcado pela presença de poucas corporações que se beneficiam da falta de regulação em novas áreas e da precarização do trabalho. A chegada ao Brasil do Uber, empresa de serviços de transporte individual de passageirxs por meio de aplicativo digital, talvez seja o exemplo mais emblemático, mas está longe de ser o único.
O surgimento de novas plataformas proprietárias e também a construção de alternativas possíveis foram temas abordados na roda de conversa Subvertendo o capitalismo de vigilância: o que redes comunitárias e cooperativismo de plataforma têm a oferecer?, realizada na tarde de sábado, 6 de maio. O encontrou contou com apresentações de Bruno Vianna, criador do CooLab, cooperativa de formação de projetos comunitários para conexão à Internet no Brasil; e Rafael Zanatta, pesquisador em direitos digitais e tradutor do livro Cooperativismo de Plataforma, de Trebor Scholz. A publicação não só faz a crítica à assim chamada economia de compartilhamento, como também propõe modelos distintos de organização digital, baseados prioritariamente em princípios da economia solidária e cooperativismo. O livro, produzido pela Fundação Rosa Luxemburgo e as editoras Elefante e Autonomia Literária, foi distribuído gratuitamente durante o encontro e está disponível para download sem custos (versão em PDF).
Na roda de conversa aberta, o próprio termo «economia de compartilhamento» usado para designar esse modelo de negócios foi questionado, com participantes lembrando que, de início, a expressão fazia referência a aspectos solidários da rede e projetos como linux ou do tipo wiki, mas acabou distorcida e resignificada por corporações. Bruno Vianna compartilhou mais sobre sua experiência na construção de projetos de conexão para comunidades, tratando inclusive de aspectos técnicos e legais. Rafael Zanatta falou sobre cooperativismo de plataforma e provocou xs demais participantes a dar continuidade ao debate, procurando difundir novos projetos do tipo, e favorecer a troca de experiências e conceitos relacionados ao tema.
Sobre cooperativismo de plataforma, leia também:
Contra a precarização – Plataformas para cooperativas digitais em debate
Cooperativismo de plataforma – Tecnologias livres contra a uberização do trabalho
Os artigos de Rafael Zanatta no Outras Palavras
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