Membro do conselho de administração da Volkswagen do Brasil nos anos 1960 e desde 1982 presidente da companhia em Wolfsburg, Carl Hahn disse que «jamais ouviu falar» das investigações do Ministério Público. Colocou em dúvida a relevância das investigações: «Não há mesmo nada mais importante para nós do que nos ocupar com o passado no Brasil?» Hahn designou de «superdemocratas» aqueles que hoje se ocupam criticamente com o passado. «Nós oferecíamos condições de trabalho que faziam as pessoas fazer fila. Pois você precisa imaginar, de onde vinham as pessoas: do meio do mato»
Por Christian Russau
No final de julho de 2017, o consórcio de jornalismo investigativo formado pelas emissoras NDR e SWR e o jornal Süddeutsche Zeitung publicou a sua análise sobre o caso «Volkswagen, cúmplice da ditadura militar no Brasil». A investigação, veiculada pelo jornal, pela radio e pela televisão, confirma que, na época da ditadura, a Volkswagen parece ter participado ativamente da perseguição política e da repressão de adversários do regime.
Contratado pelo MP de São Paulo especialmente para o caso, o pesquisador Guaracy Mingardi confirmou: «A segurança interna agiu como um braço prolongado do DOPS dentro da fábrica da Volks». Segundo as investigações, a Volkswagen do Brasil teria espionado os próprios funcionários e a sua inclinação política. O serviço de segurança da empresa funcionava como um serviço secreto interno, confirma um antigo trabalhador. «O esquema do serviço de segurança da fábrica era buscar as pessoas e prender por uma ou duas semanas ali mesmo, como num cárcere privado na própria fábrica da Volkswagen».
A reportagem ouviu também José Paulo Bonchristiano, o ‘Mr. DOPS’, como o torturador era chamado pelos próprios colegas. Sobre a colaboração da Volkswagen com o DOPS, Bonchristiano disse: «A Volkswagen atendia logo a qualquer demanda nossa. Por exemplo: se eu procurasse por algum elemento suspeito, eles diziam onde eu podia achar. Éramos muito próximos».
Membro do conselho de administração da Volkswagen do Brasil nos anos 1960 e desde 1982 presidente da companhia em Wolfsburg, Carl Hahn disse que «jamais ouviu falar» das investigações do Ministério Público. Colocou em dúvida a relevância das investigações: «Não há mesmo nada mais importante para nós do que nos ocupar com o passado no Brasil?“ Carl Hahn designou de «superdemocratas» aqueles que hoje se ocupam criticamente com o passado. Disse que não foi nenhum problema para ele o fato de a democracia brasileira ter sido substituída por uma ditadura militar em meados dos anos 1960. «Isso não me tirou o sono na época. Não lembro ter chorado a democracia indo embora».
Até hoje, Hahn enxerga a Volkswagen como o ‘salvador’ que traz prosperidade – e não economiza palavras politicamente incorretas: «Nós oferecíamos condições de trabalho que faziam as pessoas fazer fila. Pois você precisa imaginar, de onde vinham as pessoas: do meio do mato». Mais: «Se você pensar a quantas repúblicas de bananas levamos prosperidades … somos hoje o maior empregador na Polônia, na República Tcheca, na Eslováquia, na Hungria, somos o maior pagador de impostos. Somos o maior exportador. Contribuímos mais para o desenvolvimento na Europa Central com os nossos investimentos do que qualquer investidor estatal ou multiestatal. Ninguém fala disso».
Segundo a pesquisa, a embaixada alemã em Brasília escreveu em abril de 1979 ao Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, externando sua preocupação de que a imprensa brasileira estava investigando acusações contra a direção da Volkswagen do Brasil. O porta-voz da Volkswagen do Brasil deu uma resposta pronta que terminou com a frase: «Disciplina é uma bênção para todos».
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Num documentário da TV pública alemã ARD, emitido por primera vez em 24 de julho de 2017, a história oculta: espionagem interna, delação de operários aos órgãos repressivos, prisões dentro da fábrica. Assista aqui, com legendas em português
Jacy Mendonça trabalhou para a Volkswagen do Brasil entre 1969 e 1992. Inicialmente, chefiou o departamento jurídico, depois acumulou o cargo de diretor do Departamento de Recursos Humanos. Na entrevista, explicou: «A economia do nosso país crescia a 10% ao ano – porque havia ordem no país». Acrescentou: «Não gosto da expressão ‘ditadura militar’. Nunca tivemos uma ditadura no Brasil. Quem se queixa de ditadura é quem sentiu as consequências». Sobre a acusação de prisões de funcionários diretamente na fábrica da Volkswagen, Mendonça diz: «Nunca. Jamais algum militar sequer pisou na fábrica. Se alguém lhe contar isso, é mentiroso». Alguns dias depois da entrevista, Jacy Mendonça envia um livro à diretora do documentário: «Para que você conheça o outro lado», escreveu a mão em um bilhete. O livro se chama: A verdade sufocada. A história que a esquerda não quer que o Brasil conheça. O autor é Carlos Alberto Brilhante Ustra, o torturador.
Deutsche Welle: Um comandante nazista na Volkswagen do Brasil
RBA: Jornalista quis entender relação do Brasil com o passado
Marcelo Auler: As digitais da Volks nas torturas da ditadura
Contratado pela Volkswagen, o historiador Christopher Kopper disse à equipe de TV: «Posso afirmar que houve colaboração regular entre o serviço de segurança interna da VW do Brasil e os órgãos policiais do regime.» Kopper também responsabiliza a sede da Volkswagen pelas detenções no terreno da fábrica: «A empresa permitiu as prisões. Possivelmente, ao informar suas observações sobre a distribuição de revistas comunistas, cooperou para que estes trabalhadores fossem detidos e levados pela polícia».
O historiador Christopher Kopper recomendou que a VW pedisse desculpas. Antes da emissão da reportagem no canal ARD, ele enviou seu relatório de 125 páginas para a Volkswagen, mas a companhia não se apressou em divulgá-lo.
A conclusão da equipe de jornalistas investigativos das emissoras NDR e SWR e do jornal Süddeutsche Zeitung: «A Volks não foi apenas cúmplice e sim ator da repressão.“Foto extraída do documentário Cúmplices? A Volks e a ditadura militar brasileira.