Direito à cidade e o papel da juventude

Atividade realizada pelo programa da FASE em Pernambuco (PE) reuniu representantes de 18 organizações, coletivos e movimentos sociais de Recife para dialogar sobre a situação da moradia nas comunidades em que vivem
Por Rosilene Miliotti, FASElogo-FASE
Em Pernambuco, o programa da FASE no estado tem trabalhado junto a jovens o tema do direito à cidade e seu papel na luta pela moradia. Em junho, cerca de 30 pessoas participaram da oficina “Juventude e direito à cidade: tanta gente sem casa e tanta casa sem gente”. Os participantes, de 18 organizações, coletivos e movimentos sociais de Recife, discutiram as realidades das comunidades onde vivem. Foi consenso que na maioria delas falta serviços e equipamentos públicos e, quando existem, são insuficientes ou precários.

groupe de trabalho
Grupo de trabalho

Outra questão levantada durante o encontro foi quanto ao reconhecimento dos jovens como sujeitos políticos. “Os mais velhos dão o tom e ocupam os espaços de fala. Os jovens ainda são vistos apenas como os que ‘mexem com tecnologia’ ou ‘sabem fazer grafite’”, Jéssica Vanessa, do Fórum das Juventudes de Pernambuco (FOJUPE).Problemas com saneamento básico, coleta de lixo, planejamento dos espaços, situação de insegurança – especialmente para as mulheres devido a pouca iluminação e paradas de ônibus distantes –, violência e a especulação também estiveram na pauta. “A luta por moradia é algo que atravessa as gerações e as experiências de vida. Os jovens de hoje continuam enfrentando um problema que já foi enfrentado por seus pais e avós”, explica Léo Machado, educador do programa da FASE no estado.
Evanildo Barbosa, diretor da FASE, falou sobre o direito à moradia em Recife. “Se têm tanta gente sem casa, é porque temos déficit habitacional. Esse tipo de problema é a expressão de um problema político de uso e distribuição daquilo que se produz. Recife tem um déficit habitacional de 131mil moradias”, explica. Ele ressalta ainda que auxílio moradia não é política pública e que indenização não é solução habitacional. “É preciso um plano diretor participativo contra a mercantilização da cidade. Existem imóveis vagos na cidade, especialmente no Centro, que poderiam ser usados para reduzir o déficit, mas isso não tem acontecido. O programa “Minha Casa, Minha Vida” tem produzido moradias para as faixas de renda mais altas. Esse é um programa criado para recuperar o mercado da construção civil. A prioridade não é fornecer moradia para quem precisa”, critica.
Priscila Santos, participante do encontro, explica que os jovens precisam se apropriar do Estatuto da Juventude e de outras leis que tratam de seus direitos, para incidir sobre as políticas públicas. “Entre os 11 eixos do Estatuto, um trata do direito à cidade, ainda que não trate de moradia especificamente. É preciso levar o Estatuto ao conhecimento dos jovens que ainda não ouviram nem falar dele”, sugere. Esta geração está desafiada a enfrentar a conjuntura de perda de direitos e retrocessos que vivemos, por isso é preciso investir em estratégias como as ocupações e destacar o papel das mulheres na luta por moradia.
Trajetória político organizativa da juventude
Waneska Bonfim, coordenadora da Ong Diaconia, inicia sua exposição questionando “o que é ser jovem?”. Os participantes responderam dizendo que ser jovem é liberdade, aprendizagem, transição entre a adolescência e a vida adulta, hora de fazer escolhas, experimentar e conhecer. Segundo o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), “ser jovem no Brasil contemporâneo é estar imerso em uma multiplicidade de identidades, posições e vivencias. Daí a importância do reconhecimento da existência de diversas juventudes no país, compondo um complexo mosaico de experiências que precisam ser valorizadas no sentido de se promover os direitos dos/das jovens (Novaes, 2006, p.5)”.
Quadro onde os participantes puderam se identificar
Quadro onde os participantes puderam se identificar

A partir da discussão, Waneska fez uma linha do tempo sobre o papel da juventude no país desde os anos 40, quando a história do Brasil foi marcada pelo êxodo rural, gerando uma forte ocupação urbana com as famílias vindas do interior e se instalando principalmente em morros e alagados. Nesse período, o governo implementou algumas políticas contra a pobreza, entre elas, várias medidas de remoções das áreas centrais e mais valorizadas da cidade, deslocando-as para as periferias. Já nos anos 80, a juventude teve um papel determinante nas lutas em defesa da democracia e colaborou na construção da Constituição de 1988.
Em 2010, a Equipe Técnica de Assessoria e Pesquisa e Ação Social (Etapas) realizou uma pesquisa sobre coletivos juvenis no Recife e constatou que a juventude tem a capacidade de agregar pessoas. Sobre os tipos de atividades que os coletivos trabalham, a pesquisa verificou que 13,1% são de música; 12,9% de danças; 9,7% de formação política; 8,3% movimento cultural; 7,8% de teatro e; 7,1% de atividades religiosas. Em relação aos motivos que os fazem se organizar em grupos, fortalecer ações de arte e cultura (15,4%) e amizade ou vontade de estar juntos (10%) estão entre os principais. Geralmente, o local de encontro é a casa de um dos integrantes do grupo (21,8%) e a maior dificuldade desses coletivos são os recursos financeiros (51,2%).
“É fundamental considerar que a organização juvenil deve ser reconhecida como tendo potencial para mudar não apenas a vida dos próprios jovens, mas também para transformar a sociedade como um todo”, considera Waneska. Representantes do estado de Pernambuco tiveram um papel importante na construção dessas políticas em nível local e nacional. Waneska avalia que a atuação política das juventudes já alcançou excelentes resultados em um curto espaço de tempo: o marco legal das políticas publicas de juventudes, a criação dos conselhos em diversos níveis, os planos de políticas publicas, entre outros. Destaca ainda que Recife acabou de aprovar seu Plano Municipal de Políticas Públicas de Juventude. “Percebemos que os jovens têm muita vontade de trocar, estar uns com os outros. Todos nós, jovens e adultos, carregamos conosco nossas vivencias e nossas realidades e é com isso que trocamos”.

Rudrigo fala sobre a ocupação
Rudrigo fala sobre a ocupação

Visita à ocupação Carolina de Jesus
Ao final do encontro, o grupo visitou a ocupação urbana Carolina de Jesus, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que reúne 1.500 famílias, em cerca de 900 barracos. Rudrigo Rafael, educador do programa da FASE em PE, explica que, no processo inicial, todos fazem um barraco para marcar e ocupar o terreno. São construídas cozinhas coletivas e barracões para a realização de reuniões. “A ocupação planeja a construção de uma praça e uma horta. O critério primordial para permanecia no grupo é a participação sistemática nas atividades. As negociações com o governo do estado estão em andamento. Uma parte do terreno já foi cedida à ocupação”, explica.
Após a visita, os participantes destacaram o aprofundamento da resistência. “A resistência foi colocada como algo marcante na militância juvenil e também na luta pela moradia. É um processo árduo, demorado”, exemplifica Léo. Preocupação foi outra palavra muito presente, pois várias pessoas ficaram impactadas com as condições da ocupação.
 
Fotos: Léo Machado/FASE PE

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