Eleições na Alemanha: Continuar com a mesma política em tempos de incerteza?

Diante do fortalecimento da coalizão de Angela Merkel e da conciliação do SPD com a agenda neoliberal, desafio da esquerda é construir uma perspectiva pós-crescimento solidária, democrática, feminista e antirracista
Por Instituto para Estudos da Sociedade, da Fundação Rosa Luxemburgo
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Poucas semanas antes das eleições para o parlamento federal (Bundestag) alemão, em 24 de setembro, já está bastante nítido que, à diferença do que ocorre ou ocorreu em outros países da União Europeia, a tendência na Alemanha é de continuidade. Durante e depois das crises financeira e econômica e da crise da União Monetária Europeia de 2008, as elites políticas e econômicas conseguiram evitar maiores colapsos na economia alemã e assegurar a estabilidade. Houve uma série de «situações de choque»: as crises bancárias de 2008/09, as crises do sistema da zona do euro (Chipre, Espanha, Portugal e principalmente a Grécia) depois de 2010 e a crise política desencadeada pelo crescimento exponencial do número de refugiados que chegaram de zonas de conflito no Norte da África, bem como no Oriente Próximo e Oriente Médio ao longo de 2015/16.
Em todos esses casos, uma política flexível para evitar um colapso imediato das principais instituições políticas e econômicas foi combinada com medidas de médio e longo prazo que permitem uma continuidade e um fortalecimento da política neoliberal em curso até agora. E, do ponto de vista das elites da República Federativa da Alemanha, o resultado foi um êxito incontestável. Resta a dúvida, porém, se essa política pode ser mantida no longo prazo ou se ela prepara o solo para crises ainda maiores, impossibilitando a política do «continuar do mesmo jeito».
Na sequência, faremos um breve retrospecto do desenvolvimento da Alemanha a partir de 1990. Em seguida, focaremos a situação da Alemanha no contexto europeu e geopolítico a fim de esboçar os desafios centrais para a esquerda. Em terceiro lugar, apresentaremos a campanha eleitoral atual e o possível resultado das eleições. Por último, trataremos da orientação estratégica do partido DIE LINKE (A Esquerda) para além das eleições parlamentares de setembro.

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A conjuntura pré-eleitoral na Alemanha
Ponto de debate no. 13, setembro de 2017
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O contexto político: estabilidade instável
Na primeira década dos anos 2000, a República Federativa da Alemanha ascendeu à posição de líder político e econômico no âmbito da União Europeia. Os encargos originados pelo elevado custo da reunificação das duas Alemanhas foram praticamente absorvidos. Desde o final dos anos 1990, a economia do país se consolidou. O forte setor exportador (com ênfase nas indústrias automobilística, mecânica e química) experimentou nova fase de expansão. A taxa de exportação (vendas externas em relação ao Produto Nacional Bruto) é de 46%, superior aos 30% da França ou da Grã-Bretanha, países de dimensão semelhante. Em 2016, a Alemanha teve um superávit de 8,5% na balança de transações correntes. Isso significa uma exportação de capital em volumes históricos, fazendo que muitos países se endividem com a Alemanha.
Organizações econômicas internacionais criticam a reduzida taxa de investimento na Alemanha e os salários baixos, em especial no setor de serviços. Isso ocorre principalmente em detrimento das mulheres. O número de pessoas ocupadas na Alemanha atingiu o ápice. A taxa de desemprego oficial caiu para 6%. As reformas trabalhistas e sociais neoliberais do governo do chanceler Gerhard Schröder (SPD), formado pelos partidos socialista e verde, puseram em marcha uma onda de racionalização e flexibilização. Um dos resultados é a crescente precarização das condições de trabalho (trabalho parcial, aparente autonomia, trabalho terceirizado etc.). Com 23% de trabalhadores de baixa remuneração, a Alemanha ocupa o segundo lugar – depois da Lituânia – no ranking de pessoas de salários reduzido.
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Para sobreviver, muitas dessas pessoas se veem obrigadas a recorrer à ajuda governamental, apesar de terem um emprego de tempo integral. Ao mesmo tempo, os benefícios das pensões e aposentadorias caíram drasticamente. O tradicional Estado de Bem-Estar Social na Alemanha, com seu contrato social entre capital e sindicatos, foi abandonado. Quando existe, a cooperação entre ambos os lados foi limitada apenas às empresas, principalmente no setor exportador.
Desde 2005, o governo federal é liderado por Angela Merkel e os partidos CDU/CSU (democratas cristãos e cristãos sociais). Se, na campanha eleitoral de 2005, Angela Merkel apresentou com um programa nitidamente neoliberal, a sua quase derrota naquele ano a levou a confiar numa postura bastante flexível de «continuar assim». As reformas neoliberais essenciais foram mantidas ou ampliadas em parte. Ao mesmo tempo, suas consequências concretas são suavizadas ou acirradas, conforme a conjuntura política.
No âmbito internacional, a atual República Federativa da Alemanha se posicionou como potência de tamanho médio com responsabilidade europeia e também global. Está colhendo muitos êxitos no setor da virada energética (a chamada Energiewende). Até agora, o país tem conseguido evitar a participação em intervenções militares ofensivas.
No entanto, o exército alemão (Bundeswehr) participa de várias operações internacionais, como no Afeganistão, no Mali, no Kosovo, em operações de combate ao Estado Islâmico etc. No total, há 3,2 mil soldados homens e mulheres alemães nessas missões. Desde 2005, os partidos conservadores CDU e CSU formaram duas vezes a chamada «grande coalizão» com o partido socialista SPD (de 2005 a 2009 e de 2013 a 2017). De 2009 a 2013 houve uma coligação com o partido liberal FdP, que, no entanto, desde 2013 não está mais representado no Parlamento, devido à forte perda de representantes.
Essas constelações ofereceram uma base sólida para a manutenção da política neoliberal, conseguindo ao mesmo tempo se adaptar e ampliar. Assim, depois do acidente da usina de Fukushima, em 2011, o governo decidiu abandonar a energia atômica. A ampliação das fontes de energia renovável segue ocorrendo, embora forma reduzida, enquanto a participação de carvão mineral na matriz energética permanece inalterada. No atual governo, o partido social-democrata SPD conseguiu implantar uma série de melhorias sociopolíticas, entre elas a introdução do salário mínimo e o abrandamento de dificuldades no processo de obtenção de aposentadoria. Os investimentos em cuidados de saúde e educação da primeira infância foram ampliados.
A base político-partidária do atual governo é grande. Com exceção do partido DIE LINKE e do partido de direita AfD, abrange todos os partidos que nas pesquisas de opinião referentes às eleições parlamentares de setembro superam a barreira dos 5%. A segurança interna e a integração social dos imigrantes tornaram-se o principal campo de conflito do debate público, deslocando o tema da igualdade social para o segundo lugar. Em 2015/16, cerca de um milhão de refugiados vieram para a Alemanha. Aumentam as preocupações da população alemã com as possíveis consequências de governos que se esfacelam e guerras civis no Oriente Médio e Próximo e no Norte da África, bem como das disparidades de renda na Europa, principalmente entre a Europa e a África e a Ásia Ocidental.
Movimentos islamofóbicos ganharam força. O terror contra refugiados e o terror em nome do Islã criam um clima de medo e incerteza. Isso se soma às incertezas de muitos trabalhadores e muitas trabalhadoras diante dos efeitos negativos de uma globalização e política de concorrência neoliberal. Em consequência, surgem tendências excludentes e de corte racista na sociedade. Na Alemanha, esse discurso vem sendo articulado pelo movimento Pegida (literalmente, a abreviação de Patrioten gegen die Islamisierung des Abendlandes, ou seja: Patriotas contra a Islamização do Ocidente) e pelo partido AfD (Alternative für Deutschland, Alternativa para a Alemanha). Não são as pessoas socialmente mais frágeis que aderem a estas organizações.
Ao mesmo tempo, 10% da população está ativamente envolvida em trabalhos de solidariedade e de apoio para refugiados, enquanto outros 75% conseguem se imaginar neste tipo de engajamento. A maioria dos que vivem na Alemanha são favoráveis à inclusão de refugiados enquanto ajuda humanitária para pessoas com necessidade de garantir a sobrevivência.
O problema apontado é a crescente demanda por espaço habitacional e a falta de políticas públicas para conter o valor crescente dos aluguéis nas áreas mais densamente habitadas. Cerca de 80% dos cidadãos e das cidadãs da Alemanha avaliam como positiva a situação geral do país e a própria situação financeira. Trata-se de um valor recorde na comparação com outras épocas e dentro da própria UE. O que causa desconforto às pessoas é principalmente a crescente desigualdade, bem como suas implicações econômicas negativas. As demandas para que o governo assegure mais igualdade social e serviços públicos (educação, saúde, previdência, assistência social, energia, transporte etc.) têm tido um apoio estável ao longo de vários anos. Diante de superávits orçamentários, a expectativa é oferecer reduções fiscais a lares de baixa e média renda.
Por outro lado, segundo revelam as pesquisas de opinião, a maioria prefere tributar mais os altos salários e as fortunas a fim de garantir fundos para investimentos futuros sem gerar novo endividamento. A decisão da Grã-Bretanha de deixar a União Europeia aumentou na Alemanha o apoio a uma política que fortaleça o bloco europeu. Ao mesmo tempo espera-se que se reduzam as regulamentações de instituições da União Europeia vistas como excessivamente burocráticas.
A consciência de que a integração europeia é necessária e útil para a Alemanha, e que exige esforços maiores, tem se fortalecido. Há, no seio da população, um reduzido apoio a operações militares, exceto em casos de genocídio agudo ou de uma ameaça à União Europeia. A recusa a exportações de armamentos é elevada.
O papel da Alemanha na União Europeia e no contexto internacional
Depois da unificação da Alemanha em 1990 intensificou-se a política – já em vigor nas décadas anteriores – de integração de mercado da União Europeia por meio da união monetária. O acirramento da concorrência com a posição geográfica da Alemanha no centro da União Europeia não veio acompanhado da expansão das instituições solidárias do bloco e da harmonização das políticas fiscal, financeira e econômica.
Como, a partir de 2004, a UE se ampliou com a entrada de novos países-membros da Europa Central, do Leste e do Sudeste, criou-se uma comunidade com fortes desequilíbrios que, em parte, vêm aumentando cada vez mais. O tamanho do orçamento da UE continua equivalendo a cerca de 1,2% do Produto Interno Bruto dos países-membros, o que, nas atuais circunstâncias, é totalmente insuficiente. Os diferentes governos da Alemanha disseminaram a ilusão de que seria possível ampliar e aprofundar a UE sem grandes contrapartidas de compensação, entre as quais o apoio solidário aos membros mais fracos.
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Por isso, cada país se torna responsável pela própria competitividade e consolidação orçamentária. Assim, o desemprego juvenil na Grécia e na Espanha superou a marca dos 40%. Desmontaram-se os sistemas mais básicos de seguridade social (nos serviços que dizem respeito à previdência, saúde e habitação). Em consequência, o desenvolvimento econômico e político de muitos países-membros é disparatado. Em alguns desses países, alguns padrões democráticos mínimos são violados – padrões esses que foram condição para a entrada na UE (Estado de Direito, divisão dos poderes, reconhecimento da convenção de refugiados etc.).
A UE tenta nitidamente reduzir o número daqueles que chegam a solo europeu com medidas combinadas de intimidação (instalação de campos de refugiados, aumento do número de expulsões), exclusão (ampliação de instalações de fronteira, muros e controles), bem como através do convênio com os governos dos países de trânsito e de origem. A contradição entre integração de mercados neoliberal e a obediência a preceitos de democratização e fortalecimento do Estado de Direito com base em condições da UE se aprofundou.
Embora alguns déficits funcionais da união monetária tenham sido sanados, não se desenvolveram mecanismos solidários efetivos de apoio e responsabilidade mútuos. Com isso, a união monetária se tornou um instrumento repressor e extrademocrático para a consecução de uma política neoliberal, a começar pelos cortes sociais, passando pelas privatizações e a liquidação de patrimônio nacional para grandes conglomerados internacionais (inclusive alemães), até o fortalecimento do capital financeiro. Consolidou-se o predomínio da Alemanha como maior potência.
Não houve resistência efetiva de movimentos e partidos de esquerda em nível europeu. Em nenhum momento, a esquerda conseguiu influenciar a ordem do dia da integração. Isso se revelou principalmente na crise financeira e econômica. Depois da vitória do candidato liberal-social Emmanuel Macron e de seu partido nas eleições na França, bem como sob a pressão do Brexit, pode haver adequações nos próximos anos na política da UE com o objetivo de amenizar e tratar sucessivamente os problemas mencionados. Neste processo, ficará claro se as medidas tomadas depois de 2008 para tornar o sistema financeiro mais seguro foram suficientes.
Os críticos dessa política acusam o tamanho excessivo dos bancos, a falta de regulação de sistemas financeiros paralelos, e apontam que a união dos bancos europeus continua fraca. Pela primeira vez, o patrimônio do decil superior da sociedade e dos super-ricos subiu nitidamente como resultado de uma crise financeira. Os prejuízos foram pagos totalmente pela maioria da sociedade (os “99%”). Uma nova crise financeira, ainda mais aguda, pode ocorrer. Privatizações, a financeirização e novas medidas de desregulamentação aumentam esse perigo.
No interior dessas elites cresce a visão de que, além da efetivação autoritária e repressiva das regras neoliberais, os investimentos também precisam ser fortalecidos. Neste momento, estão em debate os preceitos de uma política econômica e estrutural comum, a ampliação da infraestrutura e o fomento do desenvolvimento de países mais fracos. De qualquer maneira, tenta-se fortalecer o eixo militar da UE, aumentando os gastos militares.
Neste momento está se estruturando um centro de planejamento e comando militar. No final de novembro de 2016, a Comissão da União Europeia também apresentou planos para um “Fundo Europeu de Defesa” voltado para a promoção de investimentos comuns em pesquisa e desenvolvimento de “tecnologias de defesa” (por exemplo, eletrônica, metamateriais, software codificado e técnica robótica). Todas as medidas nas políticas externa, de segurança e de defesa também visam fortalecer automaticamente a otan ou complementar o espectro de suas missões.
A política de expansão para Leste da otan e da União Europeia, em vigor depois de 1990, fez que continuassem frágeis as formas conjuntas de cooperação europeia e do desenvolvimento comum, incluindo a Rússia, o Cazaquistão e os estados do Cáucaso. Assim, a União Europeia revelou ser um projeto imperial com traços democráticos e irradiação econômica. Ao mesmo tempo, essa expansão foi percebida sobretudo pelo governo russo como ameaça e tentativa de isolar o país. Por isso, nos últimos anos a Rússia reagiu com uma política da estabilização militar e de inclusão de países no espaço pós-soviético, exibindo também, por sua vez, nítidos traços imperialistas.
Aos golpes na Ucrânia, em que os Estados Unidos e a União Europeia intervieram nitidamente, à anexação da Crimeia pela Rússia e aos combates na Ucrânia Oriental, a União Europeia reagiu com uma combinação de medidas de confronto e punitivas, como o embargo e esforços para terminar os conflitos. Isto ainda não resultou em uma política para o Leste Europeu que levasse de maneira eficaz para a distensão e a cooperação. Ainda domina a confrontação militar e política.
Com a eleição de Donald Trump nos EUA em novembro de 2016 fortaleceu-se uma tendência que já vem se desenhando há algum tempo: no futuro, a União Europeia não continuará sob o apadrinhamento imperial benevolente dos Estados Unidos. Os interesses gerais em relação à segurança, economia e política dos dois blocos de poder estão cada vez mais afastados. Foram precisamente as intervenções militares dos EUA que incendiaram as regiões vizinhas à União Europeia ou que promoveram a escalada de seus conflitos. A política da ocupação ou da troca de regime no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Síria e na Ucrânia, bem como o rumo de confrontação dos EUA em relação ao Irã, geraram uma situação que coloca a União Europeia sob enorme pressão para agir.
O aquecimento arbitrário do conflito entre Arábia Saudita e Irã por parte do governo Trump e a crescente militarização da região colocam em xeque a segurança da União Europeia. Muitos de seus Estados-membros apoiaram abertamente ou toleraram a política dos EUA no passado. Isso pode mudar agora. Na opinião pública alemã, os EUA figuram atrás da China no ranking dos parceiros mais confiáveis. Ainda não existem respostas estratégicas convincentes em relação às transformações na conjuntura internacional.
O cenário político-partidário prévio às eleições
O ano de 2017 começou com uma surpresa na política alemã: o presidente dos sociais-democratas (SPD), Sigmar Gabriel, renunciou ao cargo e o ex-presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, surgiu como novo candidato a chanceler pelo partido. Foi eleito com 100% das vozes como novo presidente do SPD. Por um breve tempo, o SPD chegou a liderar as pesquisas de opinião, à frente dos os partidos cristão-democrata e cristão-social (CDU/CSU), fazendo com que Martin Schulz superasse Angela Merkel em termos de popularidade.
Muitos eleitores jovens se voltaram para o SPD. De repente, germinou a esperança de uma transformação política. Em suas primeiras aparições públicas durante a campanha, Schulz colocou a justiça social como item prioritário, confirmando ainda o fim de elementos das reformas neoliberais do chanceler Gerhard Schröder do SPD. Mas, em questão de poucos meses, o clima mudou. Se, nas pesquisas de opinião de abril, o SPD chegou a conseguir 32% das intenções de voto, logo caiu para 25%.

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Sahra Wagenknecht, a cara mais conhecida do DIE LINKE

Por um lado, tudo indica que as mudanças na liderança do SPD não foram suficientemente bem preparadas no que se refere ao conteúdo. Por outro, para muitos eleitores e muitas eleitoras, as diferenças em relação à política do atual governo ficaram aquém das expectativas. Em três eleições regionais no primeiro semestre de 2017, o SPD experimentou sérias derrotas, que prejudicaram em muito a sua reputação e reduziram sensivelmente suas chances para as eleições para o Parlamento.
Com um atraso de meio ano, conheceu-se o programa de governo do SPD com a candidatura de Martin Schulz. No centro deste programa está a estabilização das pensões e aposentadorias (mas sem reversão dos cortes já efetuados nesses benefícios), uma redução da carga fiscal para salários baixos e médios, a transição para um seguro do cidadão no setor da saúde, a ampliação da educação, em especial a infantil, bem como o fortalecimento dos investimentos em ciência e pesquisa. Para a zona do euro, o programa do SPD de Schulz prevê um governo baseado nas forças do mercado, enquanto no seio da União Europeia seriam fortalecidas as premissas para um equilíbrio solidário.
Os pontos essenciais desta agenda bem poderiam ser parte do acordo de uma grande coalizão entre os partidos SPD e CDU/CSU. No passado, Angela Merkel comprovou a sua grande flexibilidade nessas questões e, em casos de conflitos, também se impôs em relação ao seu próprio partido. São poucas as chances de o SPD superar a coligação CDU/CSU. A grande maioria da população já não acredita mais que Martin Schulz e o SPD consigam essa façanha.
O programa eleitoral do SPD definido por Schulz está baseado em um “continuar do mesmo jeito”, com mais ênfase em políticas sociais e de paz e com o objetivo de ampliar a integração da Europa. O rompimento inicialmente esperado com a agenda neoliberal do chanceler Schröder não se efetivou. Não se ousou enfrentar um conflito verdadeiro, nem houve uma mobilização mais ampla dos assalariados, incluindo movimentos sociais de esquerda. Propostas de ampliar medidas protetivas contra o desemprego e as ofertas de educação continuada não chegam a configurar uma real mudança de parâmetros como incorporaram Bernie Sanders nos EUA ou Jeremy Corbyn na Grã-Bretanha.
Ao longo dos últimos meses, a CDU/CSU de Angela Merkel teve muito êxito ao enfrentar os desafios através da “Alternativa para a Alemanha”. O decréscimo do número de refugiados que vêm para a Alemanha, uma política mais restritiva em relação àqueles que buscam asilo político, o sucesso relativo das medidas tomadas tanto dentro da Alemanha quanto fora dela – como, por exemplo, a negociação sobre refugiados com o governo turco – contribuíram para que o CDU/CSU subisse 6 pontos percentuais nas pesquisas de opinião desde o início do ano, alcançando atualmente em torno de 39% das intenções de voto. Seu programa político aposta principalmente nos temas do alívio tributário, mais investimentos públicos e segurança interna. Isso faz jus à sua imagem como partido liberal-conservador.
Em 2013, o partido liberal FDP não conseguiu pela primeira vez entrar no Parlamento por causa da barreira de 5% dos votos. Apesar disso, voltou a se estabilizar, sob a liderança do seu novo presidente Christian Lindner, e Conseguiu reingressar em uma série de parlamentos regionais. Muito provavelmente, o FDP conseguirá vencer a barreira dos 5% nas eleições de setembro – segundo as pesquisas de opinião, tem entre 7% e 10%. Isso aumenta a probabilidade de uma nova coligação entre CDU/CSU e FDP (eventualmente com o acréscimo do Partido Verde).
O FDP tem procurado construir uma imagem de partido modernizador e de inovação na economia. Elegeu como prioridade o tema educação e digitalização e quer ser percebido como partido do futuro e da liberdade individual. A questão da redução da carga fiscal continua importante, mas deixou de ser prioritária. O FDP quer evitar ser visto como o “partido dos altos salários“. Na União Europeia, pressiona por uma política de severa austeridade em relação aos países-membros devedores. Também quer tornar mais rigorosas as condições de admissão de migrantes no país.
Enquanto o FDP parece estar se revitalizando, o Partido Verde vê seu valor político cada vez questionado. Há um ano ainda chegava à marca dos 14% do eleitorado. Agora, tem entre 7% e 8%. De um lado, a política da modernização verde entrou até na pauta da CDU/CSU e se tornou consenso geral na Alemanha, ainda que as demandas do Partido Verde sejam mais profundas do que as dos conservadores, dos sociais-democratas ou dos liberais. Os verdes pedem a aceleração da transição para fontes de energia renováveis e o fim do confinamento animal.
Tal qual o SPD, os verdes reivindicam a introdução de um seguro de saúde para os cidadãos e medidas mais profundas na regulação do setor financeiro. Por outro lado, recuaram nas demandas por uma redistribuição geral a fim de financiar a transformação socioambiental da sociedade, como ainda ocorreu no programa eleitoral de 2013. Diferentemente do que se verificou naquelas eleições, os verdes agora parecem mirar para uma possível coligação com a CDU/CSU. Querem ser uma espécie de “partido-dobradiça”, com prioridade nos temas ambientais. É o suficiente para aglutinar o seu núcleo duro, mas não passa muito disso.
O CDU/CSU, o SPD, o FDP e os verdes dispõem de um número suficiente de eleitores em áreas de interseção para poder formar coligações de governo em constelações bastante diversas. Estas permitem manter a atual política com uma elevada constância de rumo e, dependendo da composição da coligação, também podem deslocar as prioridades em uma ou outra direção. A “mudança de rumos” prometida tanto pelos sociais-democratas do SPD, os liberais do FDP ou mesmo os verdes vai se concentrar em determinados campos. Será uma “mudança de rumos light”.
A liderança do CDU/CSU se consolidou nas últimas eleições regionais. Depois de doze anos permeados de crises, a posição de Angela Merkel parece amplamente incontestável. Ao mesmo tempo, a breve ascensão meteórica do partido Piratas e depois do AfD, bem como as grandes oscilações nas pesquisas de opinião na primavera de 2017, são indicativos de que o subsolo sociopolítico do sistema partidário alemão está sujeito a grandes tensões. A situação econômica relativamente boa da Alemanha como um todo e de grandes partes da população tem conseguido evitar conflitos abertos.
Novas crises e transformações bruscas são capazes de frustrar todas as previsões. A ascensão do partido nacionalista-conservador AfD começou simultaneamente à crise financeira e econômica. Logo se formaram duas alas no partido: enquanto a ala nacionalista-liberal, que apostou em uma volta ao marco alemão e em uma política econômica neoliberal, perdia influência, consolidou-se uma aliança de correntes populistas de direita, nacionalistas e conservadoras e racistas. Há estreitas relações entre grupos do partido e movimentos islamofóbicos e grupos neofascistas que defendem a violência aberta contra refugiados e candidatos a asilo político, bem como aqueles que se opõem aos políticos de esquerda e aos que defendem os princípios democráticos.
A estratégia futura do partido ainda está em aberto. Precisamente porque algumas demandas da ala populista de direita foram absorvidas pelas políticas em vigor do atual governo, existem tendências crescentes a aguçar o perfil racista e islamofóbico. Mas elas são barradas por problemas de aceitação, mesmo no seio de seus próprios eleitores. Os conflitos pessoais e de conteúdo do AfD fazem que parece menos apto a ser eleito nas pesquisas de opinião, comparado com CDU/CSU. O apoio ao AfD caiu à metade desde o verão de 2016. Nas pesquisas de opinião, chega a alcançar 7%.
Neste espectro partidário de direita, crescem os ataques a elementos de políticas de equiparação de gênero, ao direito à autodeterminação sexual e a outras conquistas dos movimentos de mulheres, de homossexuais e transgêneros, combinado com o recrudescimento de ressentimentos racistas voltados não só para refugiados, fazendo transparecer as fantasias de extrema direita de uma sociedade “branca germânica”. Ao mesmo tempo, se fortalece a mobilização de um espectro não organizado em partidos e com conexões fundamentalistas-religiosas (principalmente conservadoras e cristãs) da sociedade civil, representando posições antifeministas, propagando formas familiares conservadoras e pondo em dúvida o direito das mulheres ao aborto.
Sobre o papel dos sindicatos
Os sindicatos alemães se enfraqueceram muito, sobretudo na área de prestações de serviços, com privatizações, política de austeridade, reestruturações do ramo, aumento da ocupação precária e estratégias agressivas dos empregadores. Em muitos lugares já nem ocorrem mais processos de negociação de parcerias sociais. Numerosos conflitos e greves do sindicato de prestadores de serviços Verdi são, na verdade, lutas defensivas, como por exemplo a grande luta trabalhista contra os cortes no correio em 2015 ou a greve no comércio varejista em 2013.
A realidade é diferente nos hospitais onde, devido à crescente comercialização do setor da saúde, greves das equipes de cuidadores podem exercer cada vez mais pressão econômica. Se pacientes programados para intervenções cirúrgicas não podem ser admitidos às vésperas de uma greve, os hospitais perdem receitas significativas. Em um dos maiores hospitais de clínicas da Alemanha, o Charité de Berlim, os confrontos devidos à evidente falta de pessoal na área da saúde levaram ao fechamento de um acordo em abril de 2016 que regulamentou pela primeira vez a ocupação mínima de pessoal.
Essa luta bem sucedida foi muito bem recebida tanto pelos profissionais da saúde quanto pela população, fazendo que o Verdi iniciasse uma campanha coletiva pelo aumento das equipes nos hospitais. Para o verão de 2017 esperam-se atividades em todo o país que também devem exercer pressão às vésperas das eleições parlamentares com relação ao dimensionamento de pessoal.
O sindicato de metalúrgicos IG Metall representa sobretudo os trabalhadores em setores industriais tradicionalmente voltados à exportação, no qual ainda prevalecem os processos de negociação de parceria social, apesar dos cortes, das tendências de precarização do trabalho, da redução salarial e dos acordos coletivos de redução salarial. A última greve geral da indústria metalúrgica e elétrica ocorreu em 2003 com o objetivo de finalmente introduzir também na Alemanha Oriental a jornada de trabalho semanal de 35 horas – em vigência na Alemanha Ocidental desde os anos 1980. A greve acabou derrotada.
Antes da última rodada de negociação coletiva na indústria metalúrgica e eletroeletrônica em 2016, o sindicato IG Metall criou um novo conceito de luta trabalhista, prevendo a ampliação das greves de advertência em até 24 horas. Com isso, o IG Metall cria a possibilidade de um nível adicional entre as simbólicas greves de advertência e as greves gerais. Na campanha salarial da indústria metalúrgica e elétrica para 2018 – na qual também se tratará das jornadas de trabalho – será demonstrada a eficácia dessa medida de luta.
Tradicionalmente, os sindicatos alemães se caracterizam pela proximidade com a social-democracia, mas recentemente essa relação se tornou mais distante devido à política do SPD adversa aos interesses dos trabalhadores e sindicatos – a chamada Agenda 2010 – e à fundação do partido de esquerda DIE LINKE em 2007. Após a crise econômica e financeira de 2008/09, o governo de coalizão entre os sociais-democratas e os partidos cristão-democrata e cristão-social se esforçou mais ainda em envolver partes dos sindicatos em suas estratégias de superação da crise por meio do pagamento de salários de trabalho temporário, de facilidades para a compra de automóveis etc., o chamado corporativismo de crise.
O quanto isso se concretizou com relação aos sindicatos industriais se mostra também na união “Futuro da Indústria”, fundada em 2015 pelo sindicato IG Metall, pela Confederação Alemã da Indústria (BDI) e pelo governo nacional com o objetivo de fortalecer a competitividade da Alemanha e fomentar investimentos e que posteriormente foi ampliada para os sindicatos industriais menores.
Basicamente, registra-se em todos os sindicatos uma volta mais forte para o SPD. Contudo, o partido DIE LINKE conseguiu ganhar terreno no círculo dos funcionários médios e mais jovens, e obteve respaldo acima da média em alguns ramos nos quais se envolveu de maneira engajada nas lutas trabalhistas, inclusive na área dos ativos empresariais.
O partido DIE LINKE na luta eleitoral e intrapartidária
Do ponto de vista europeu, o partido DIE LINKE da Alemanha é um caso de sucesso. Seus partidos-fonte são, de um lado, o antigo PDS(Partido do Socialismo Democrático), surgido do Partido Comunista da antiga Alemanha Oriental, e de outro o WASG (Alternativa Eleitoral Trabalho & Justiça Social), no qual sociais-democratas de esquerda, intelectuais socialistas e ativistas (sindicalistas) se uniram em 2004 numa reação à virada neoliberal do SPD. O DIE LINKE, fundado em 2007, é o único partido europeu com história na Europa ocidental e oriental.
Nele, a esquerda tanto do leste quanto do oeste teve que se confrontar com seus erros e falhas do passado, o que lhe deu condições de se reorientar do ponto de vista programático e estratégico no processo da construção do partido – primeiramente, como partido do socialismo democrático, depois como o partido que compôs o Linke alemão junto com o wasg –, uma espécie de “partido de ponte” de uma esquerda plural mais ampla. O LINKE alemão se destaca justamente a partir do ponto de vista da esquerda dos países pós-socialistas europeus, nos quais partes significativas de uma classe política outrora dominante dos partidos comunistas e socialistas de Estado se converteram em quadros dominantes na transição para as variantes pós-socialistas de um capitalismo de mercado financeiro.
Aqueles que, já nos anos 1980, buscavam caminhos alternativos para o socialismo, formaram o “andaime pessoal e intelectual” desse novo partido, que se orienta em seu programa na tese de libertação de Marx para repensar a questão de igualdade, liberdade e justiça ao trilhar o caminho para um socialismo democrático: liberdade sem igualdade é exploração, e igualdade sem liberdade é opressão. O objetivo é uma sociedade na qual os bens da liberdade, democracia, segurança social, da paz e da riqueza ecológica em escala nacional, europeia e global estejam acessíveis a todos.
Hoje DIE LINKE é um dos partidos de esquerda mais significativos da Europa, ao lado do SYRIZA grego, dos partidos de esquerda da Espanha (que participaram das eleições de 2016 como Unid@s Podemos), de Portugal (Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português) e agora de novo também da França (La France Insoumise e o Partido Comunista Francês). Considerando sua base parlamentar, ele se mantém estável atrás da esquerda na Grécia, na Espanha, em Portugal e no Chipre com algo entre 8% e 10% dos assentos. Com isso, o partido é tão forte quanto os partidos de esquerda na República Tcheca, na Irlanda, na Holanda e na França.
O objetivo estratégico do DIE LINKE é uma política socioambiental e solidária decididamente de esquerda e um afastamento de orientações e conceitos neoliberais. O partido quer contribuir para afirmar uma mudança de orientação na política e, assim, não teria nenhum lugar real numa “mudança de política light” dentro de uma coalizão de governo em nível nacional, porque em primeiro lugar não seria necessário e porque também perderia o seu próprio perfil.
Seria o caminho mais seguro para a insignificância. O partido pode abordar determinadas questões sociais e de política pacífica sob as condições de uma “mudança de política light” a partir da oposição, como tem feito até agora de maneira mais ou menos eficiente, e com isso influenciar a política. Por mais de doze anos isso lhe auferiu resultados eleitorais de 8% ou mais. Uma estratégia do “Continuar do mesmo jeito”, só que um pouco diferente, pode ser aplicada de maneira muito bem-sucedida pelo CSU, CDU, FDP, pelo Partido Verde e pelo SPD.
Contudo, sob pena do seu próprio declínio e do desaparecimento de toda oposição de esquerda ao liberalismo social na Alemanha, isso não serve para DIE LINKE. Seu objetivo, como demonstra a mais recente convenção do partido, não é participar em um governo de centro-esquerda, mas sim criar as condições para um governo de esquerda na Alemanha com a sua participação. Essas condições, contudo, não existem hoje, como apontam os resultados das últimas eleições estaduais, os posicionamentos de candidatos e candidatas de ponta do SPD, do Partido Verde e também da esquerda, bem como também os resultados de pesquisas.
Aqueles que almejam uma mudança de orientação na política percebem um grande perigo para a UE como um todo e para a zona do euro na predominância do “Continuar do mesmo jeito”. Seu alerta é quanto a uma ruptura. Eles creem que estão por vir fortes abalos causados por outras crises econômicas e financeiras, pelo terrorismo e pela guerra, bem como por catástrofes ecológicas, e que a nossa sociedade corre o risco de se decompor devido à crescente insegurança e ao medo de decadência social de grandes partes da população. A estratégia de “empurrar com a barriga” só serve para ganhar algum tempo.
O material explosivo para o futuro, segundo pensam os apoiadores de uma mudança de orientação, está se acumulando, enquanto as forças de defesa enfraquecem. Os elementos básicos de uma política de mudança de orientação já foram bastante discutidos. Os quatro pilares são a justiça, a segurança, o início de uma reestruturação socioambiental e uma política ofensiva de solidariedade e de desenvolvimento comum na UE e com relação aos vizinhos.
Esse tipo de política começa na redistribuição – tanto nas lucrativas empresas e economia domésticas, e dos recursos públicos, de cima para baixo, em cascata. Quem não levanta a questão da redistribuição não leva a sério nem a justiça nem a reestruturação social. Sem uma redistribuição massiva, os fundamentos da segurança – educação, saúde, cuidados, integração, cultura e uma presença suficiente da polícia – não podem ser garantidos ou construídos na escala necessária. Precisamente as sociedades complexas e fragmentadas se orientam pela riqueza do setor público. Também deve ser possível mensurar uma política desse tipo pelo fato de criar um sistema de aposentadoria não apenas à prova de pobreza, mas que consiga garantir novamente o padrão de vida conquistado.
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Com base na redistribuição justa e na segurança, em sentido amplo, é possível abordar também outras questões do futuro: por exemplo, o saneamento ambiental de todos os edifícios de nossas cidades; uma virada energética que coloque a produção e o fornecimento de energia nas mãos das comunidades, das regiões e também de cooperativas interligadas entre si e que permita uma redução do uso de energia atômica e do consumo de carvão; uma virada dos transportes, que abra o caminho para uma sociedade do futuro com poucos carros e rica em mobilidade; bibliotecas na internet com acesso livre ao conhecimento do presente e do passado.
O Estado alemão deveria disponibilizar dinheiro para amplos experimentos com novos modos de produção e de vida, começando com um salário mínimo universal (como na Finlândia), passando pelo transporte de pessoas público e gratuito (como na capital da Estônia, Talin) até as comunidades de impacto climático neutro (como almeja, por exemplo, a cidade de Ludwigsburg). Em tempos de insegurança, a variedade e os experimentos são pré-requisitos decisivos para aprender para o futuro e para conseguir reagir às crises de maneira rápida e inteligente.
Às décadas de integração da Europa sobre os mercados e a concorrência dos locais – décadas de una integração negativa, portanto – devem se seguir décadas nas quais esteja em primeiro plano uma integração positiva, dedicada à solidariedade e à cooperação. Uma zona monetária sem uma redistribuição ativa, com a qual se fortaleçam os potenciais de desenvolvimento de todos os membros, não pode durar muito. Uma união de Estados formalmente iguais, nas quais os fortes deixam os fracos para trás, está fadada ao fracasso.
Ao constantemente reafirmado projeto de paz da UE são dedicados atualmente apenas 1,2% do pib. Isso não pode funcionar. E cada vez mais países vizinhos, nos quais as pessoas perderam a esperança de terem uma vida digna, sucumbem à guerra civil e ao terrorismo, estimulados por interesses externos e intervenções militares. A política europeia ainda não tirou as consequências necessárias dessa situação. A política de crise atual de fato impediu o colapso da zona do euro, mas não iniciou nenhuma dinâmica de desenvolvimento solidário.
Tudo isso também tem uma dimensão de política de gênero: uma posição feminista e de política social de esquerda, que tem papel importante também no programa eleitoral e nas reflexões estratégicas do partido DIE LINKE, coloca a questão socialmente urgente da reestruturação fundamental da relação entre o trabalho de cuidados e profissional numa perspectiva transformadora que não se orienta simplesmente pela “conciliação” de família e trabalho à custa das mulheres. Antes, está em discussão a questão fundamental de uma reestruturação de toda a reprodução social: como seria uma transformação socioambiental e com justiça de gênero que produza de maneira solidária a união de estruturas de trabalho e cuidados, de alimentação e de fornecimento?
DIE LINKE almeja uma transformação pós-neoliberal social e ambiental do capitalismo em amplas alianças. Mas, mesmo dentro do escopo do capitalismo, apoia projetos para iniciar um desenvolvimento para além do capitalismo, orientado por valores socialistas. DIE LINKE se dedica programaticamente a embutir uma transformação democrática dentro do capitalismo com uma transformação que transcenda os sistemas – ou seja, uma transformação dupla.
DIE LINKE não se restringe a alcançar um capitalismo mais suportável a partir da defesa contra novos ataques conservadores e de liberalismos de mercado para apenas depois disso buscar uma sociedade socialista, assepticamente separada desse processo moroso. Mais que isso, dentro das lutas atuais por melhorias possíveis para a maioria da população e em conjunto com outras forças, procura maneiras de aumentar a importância de processos, instituições e projetos potencialmente socialistas. No programa de Erfurt de 2011 podemos ler: “Esse processo será caracterizado por muitos passos de reforma pequenos e grandes, por rupturas e agitações de profundeza revolucionária”.
O partido DIE LINKE obteve bons resultados nas eleições do ano passado sobretudo nas cidades-Estado de Berlim, Hamburgo e Bremen, e conseguiu vitórias menores nos outros estados e também teve que admitir algumas derrotas importantes. Chama a atenção o fato de que o partido perdeu muito justamente nas áreas e classes nas quais tinha conseguido resultados acima da média nos anos entre 2005 e 2010 (trabalhadoras e trabalhadores, pessoas com formação escolar média, faixa etária entre 45 e 60 anos). Por outro lado, seus resultados cresceram acima da média entre as pessoas com menos de 35 anos de idade, sobretudo nos círculos universitários e acadêmicos. As vitórias não compensam as perdas, principalmente porque as faixas etárias mais jovens têm menos pessoas que as mais velhas. Contudo, os aumentos atuais em determinados grupos da população podem ser atribuídos ao claro posicionamento do partido em debates sociais sobre justiça global, igualdade, imigração e fortalecimento dos direitos em caráter populista.
O programa eleitoral lançado em junho de 2017 pelo partido DIE LINKE coloca em primeiro plano os interesses de seus eleitores e eleitoras cativos (bom trabalho, aposentadoria segura, sistemas sociais justos) e os conecta com as questões emancipatórias de uma política feminista, antirracista e antimilitarista bem como com o projeto de solidariedade europeia e internacional. Este último item envolve questões importantes especialmente para os grupos mais jovens e acadêmicos e que voltaram para o partido recentemente. Com isso, o perfil atual é complementado e, de certa maneira, estabilizado.
Questões para além disso serão postas apenas depois das eleições parlamentares em setembro. A esquerda alemã deve se empenhar, por um lado, em colocar na ordem do dia temas e demandas sociais, ecológicos, democráticos e de política pacífica concretos sob as condições de uma política de “Continuar do mesmo jeito” neoliberal frágil e constantemente ameaçada, e assim influenciar a política. Ao mesmo tempo, deve-se trabalhar ainda mais intensamente para propiciar as condições de uma mudança de orientação política, cultivar para isso um diálogo social e político eficiente, traçar linhas claras de conflito e preparar-se para situações de crise ainda mais severas. Isso demanda que se lide com as contradições dessa estratégia dupla da maneira apropriada.
Novamente coloca-se a questão: o que pode ser feito para que, a partir de uma relação tênue entre partido e novo eleitorado, surja uma relação mais firme, sem espantar parcelas do eleitorado cativo? Trata-se de uma aliança solidária de classe média e baixa de diferentes esferas – uma aliança que se estende desde desempregados de longo prazo, trabalhadoras e trabalhadores diaristas, profissionais da saúde e da educação até os círculos acadêmicos com engajamento social na busca por alternativas amplas.
Em primeiro lugar, essa aliança deve alcançar a maior quantidade possível de pessoas cuja situação pessoal não está boa e que estejam profundamente insatisfeitas com a política dominante. Estas pessoas são aquelas que têm grandes preocupações com o futuro e que se sentem ameaçadas pelas mudanças. Em segundo lugar, trata-se das pessoas que até conseguem se manter, mas estão sempre apressadas e sobrecarregadas de trabalho porque, entre outras coisas, se veem diante da tarefa de atender as contraditórias demandas do mundo do trabalho e da família.
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E, em terceiro lugar, trata-se de uma força de trabalho crítica e bem formada que até dispõe de amplas chances de participação, mas tem a impressão de que são necessárias mudanças fundamentais para resolver os urgentes problemas do futuro. Procuram por novas possibilidades de se engajar e mudar a sociedade de maneira socioecológica. Muitos têm concepções democráticas radicais. Uma aliança dessas seria um “terceiro polo”, um “polo da solidariedade” em contraposição à nova direita e às orientações neoliberais da sociedade.
Esse “terceiro polo” já existe “em si”; ele é certamente mais visível nas inúmeras iniciativas civis e de boas-vindas bem como nos diversos movimentos sociais. Mas ele ainda não encontrou ainda uma expressão política correspondente. É nisso que devemos trabalhar se quisermos criar as condições para uma mudança de orientação na sociedade – e no governo. O DIE LINKE é tanto parte indispensável como motor desse processo. Possui a obrigação de ocupar de maneira ofensiva a partir da esquerda o espaço de política partidária que o SPD e os verdes deixaram.
A base do “terceiro polo” se fez visível até agora principalmente no “meio solidário”, e acima da média nas pessoas com alta qualificação formal, nas zonas urbanas e frações de classe. Ele ainda não se encontra nas classes populares, na classe média ameaçada e na parcela precarizada da população. Esse problema também se coloca para o partido DIE LINKE, que hoje está fortemente academizado. Para uma indispensável aliança de classe média e baixa ainda falta muito da “baixa”. A esquerda já não atinge mais grandes parcelas das classes populares, perdeu-as para a direita. Cada vez mais esse segmento se retrai e nem tem ido mais votar. Esse desencorajamento específico de classe é um problema existencial para toda a esquerda.
Por isso é necessária uma mudança de perspectiva: é necessária uma nova classe política que não negue a diversidade de interesses do mosaico da esquerda e que recoloque as velhas questões de “o que fazer?” e “quem vai fazer?”. Existem adversários, e eles devem ser claramente nomeados. Um mero retorno à antiga luta de classes não pode acontecer. Racismo, relações de gêneros e questões sociais estão entrelaçados de maneira inseparável. Diferenças não devem ser tratadas como contradição lateral, mas os interesses devem ser conectados de maneira ativa. Isso só é possível se for feito com as próprias pessoas, estiver presente no cotidiano delas, for organizado junto com elas nos bairros e nas empresas, se ajudar as pessoas a se empoderarem.
Sobre essa base, pode-se reconquistar a credibilidade da política partidária, da qual depende uma representação parlamentar funcional. De modo concreto: isso significa ir à rua para construir conexões reais com as classes populares. É indispensável organizar uma base social mais forte para ser eficaz enquanto esquerda. Algo nesse sentido já foi colocado em movimento pelo partido DIE LINKE nos últimos anos, por exemplo em projetos de organização em bairros desfavorecidos ou numa “eleição de proximidade” na qual não se espera mais que as pessoas venham, mas sim que se vá até as suas casas.
DIE LINKE tem aqui uma responsabilidade que o SPD e o Partido Verde (até agora) ainda não querem se colocar: precisa corporificar uma alternativa que rompa com a política do “continuar”. E ao mesmo tempo existe a chance de superar uma falsa oposição com os ditos temas delicados com uma “nova” política de classes feminista, antirracista e ecológica. Feminismo e ecologia não são apenas temas da elite – são questões de classe. É só pensando juntos que o “nó” das diferentes relações hierárquicas se permitirá desatar.
Além disso, uma nova política de classes não pode ser pensada dentro do quadro de Estados nacionais. Ela deve advogar de maneira internacional em favor de direitos sociais globais se não quiser gerar novas exclusões. Pois a classe em si é variada: ela é também feminina, migrante, multicolorida, possui um conhecimento diverso e diferentes qualificações, tem diferentes orientações sexuais, identidades e práticas culturais. E há muito tempo está interconectada por meio de cadeias produtivas transnacionais de trabalho – pelo menos está sendo explorada além das fronteiras. A questão social deve, portanto, ser colocada a partir da perspectiva da migração. Uma abordagem que leve a sério os direitos sociais, culturais e políticos universais complementa uma abordagem baseada em classes.
Ambas têm como objetivo a organização e a apropriação comum de condições sociais de vida. Trata-se do processamento solidário de contradições, de uma nova política de classes que se conecte com um modo de vida democrático. Isso, contudo, é impossível sem a perspectiva de uma profunda transformação social. As nossas concepções a respeito de uma perspectiva pós-crescimento solidária, democrática, feminista e antirracista devem ser chamadas por um novo e velho nome que não foi perdido, e devemos lutar juntos por aquilo que ele deve significar no século XXI: socialismo, enquanto uma sociedade boa, solidária e justa, algo simples que parece ser difícil de fazer. Nem todos vão poder subscrever a isso, mas, em meio a esse mosaico, uma esquerda transformadora deveria inscrever o socialismo em sua bandeira.
Tradução: Daniel Martineschen e Kristina Michahelles
Fotos: DIE LINKE, flickr

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