Coletivos latino-americanos juntam forças

Em três dias de oficinas e debate público, coletivos da América do Sul compartilharam práticas de resistência aos megaprojetos. O intercâmbio realizado no Rio ajudou a consolidar a vigilância popular ambiental como ação fundamental de resistência à presença das corporações a partir do empoderamento popular
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Por Instituto PACS
De Santa Cruz ao Equador, do Maranhão ao Peru, o que há de comum e particular na resistência frente aos grandes projetos de desenvolvimento? Como aprendemos com as lutas na América Latina que resistem à força do lucro que não respeita a vida e os povos? Durante três dias, jovens, mulheres e homens de coletivos de vigilância popular ambiental de Brasil, Argentina, Equador e Peru se encontraram no Rio para trocar experiências e afetos sobre as pedagogias que emergem dos conflitos socioambientais no nosso continente. O encontro foi promovido pelo Instituto Pacs em parceria com a rede Justiça nos Trilhos.
No primeiro dia (11/09), os participantes realizaram uma visita de reconhecimento dos impactos socioambientais em Santa Cruz, onde puderam ver de perto os prejuízos à população causados pela siderúrgica TKCSA, recentemente vendida para o grupo Ternium. Uma oficina de troca de experiências em vigilância popular ambiental marcou o segundo dia de atividades (12/09), no espaço Raízes do Brasil, mantido pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).
Na quarta (13/09), o debate público “As lutas que educam na América Latina”, promovido pelo Instituto Pacs em parceria com o Coletivo Haveté e o GEASUR, na Casa Naara, no Centro do Rio, encerrou as atividades com exibição de vídeos sobre as injustiças ambientais e sociais gerados por grandes empresas transnacionais e roda de conversa a partir das falas dos/das participantes da oficina.
Os coletivos de jovens de Santa Cruz, no Rio, e Piquiá de Baixo, Maranhão, que realizam as medições da qualidade do ar nas duas comunidades, receberam convidados/as impactados/as por grandes projetos de indústrias petrolífera e petroquímica, siderúrgica e de mineração (entre eles a extração de urânio). Foram apresentados os enfrentamentos vivenciados pelas populações de Caitité (BA), Santa Quitéria (CE), Campos Elísios (Duque de Caxias, RJ), Catamarca (norte da Argentina), Cajamarca (Peru) e da Amazônia equatoriana.
“Além de promover o intercâmbio e a sistematização dessas experiências, o encontro ajudou a consolidar a vigilância popular ambiental como ação fundamental de resistência à presença das corporações e seus grandes projetos de desenvolvimento a partir do empoderamento popular”, aponta Gabriel Strautman, coordenador-adjunto do Instituto Pacs.
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Sebastião Braga, morador de Duque de Caxias, destaca que os problemas enfrentados pelas diferentes comunidades reunidas no encontro são muito parecidos. “Quando vejo a experiência do Equador parece que estou falando da minha cidade, quando falamos de câncer, doença de pele”, aponta. Braga destacou a cultura de cura desenvolvida entre os povos da Amazônia equatoriana, que dificilmente seria possível de ser posta em prática em Campos Elísios, em Caxias, por causa da falta d’água. “As máquinas não morrem de sede. Para as indústrias da REDUC não falta água”, compara Sebastião, membro do Fórum de Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas cercanias da Baía de Guanabara (FAPP-BG).
“Foi fantástico o encontro, mas fico triste em ver como todo mundo sofre com o capital devorador, desumano, que explora e vai embora. Ele não tem nacionalidade. É totalmente voraz. Quando o homem vai entender que o dinheiro não se come? No dia que acabar com tudo?”, resume Braga.
Para Carlos Aldaz, da Clínica Ambiental, o encontro foi rico porque dá força para seguir nas lutas e a entender que “não estamos sozinhos”. Ele se mostrou surpreso com os impactos da siderurgia no Brasil e disse que levará ao Equador os conhecimentos trocados no encontro. “Temos esperanças de avançar juntos e criar enlaces com pessoas que vivem problemas similares”, aponta. A Clínica Ambiental desenvolve atividade de reparação socioambiental frente às atividades petrolíferas no Equador.
Mirtha Vásquez, de Cajamarca, no Peru, convida ao hermanamiento (irmanação, em português) dos povos latino-americanos para enfrentar os grandes projetos de desenvolvimento. “Mãos juntas, com mais organização de nós que fazemos a resistência, podemos derrotar esse monstro grande que pisa forte”, argumenta. Assim como campesinos e indígenas peruanos, que se juntam para fazer trabalhos agrícolas em comum (minga, como se diz especialmente no Peru e Equador), Mirtha aposta na possibilidade de tecermos uma grande rede de jovens, homens e mulheres “para não permitir mais mortes nos nossos territórios”, resume a integrante do Grufides (Grupo de Formação e Ação para o Desenvolvimento Sustentável).
Sebastián Pinetta, da organização argentina Bienaventurados los Pobres (BePe), destaca a importância que acumulou, a partir de assembleias, setores populares e povos originários, de ser necessário conhecer os processos de extração, consumo e violação de direitos, a partir de uma visão ampla, que as grandes empresas vêm realizando no continente.
“Onde paremos e olhemos, salvando as particularidades de cada processo extrativo e de cada comunidade, reconhecemos como as grandes empresas operam da mesma maneira”, argumenta Sebastián. Ainda segundo ele, não importa nas mãos de quem estejam esses projetos, eles vão sempre sugar a vida dos territórios, matando e causando dor. “A discussão sobre o modelo extrativo, sobre o ‘pacote tecnológico’ que tira nossas identidades e bens comuns, é claramente contra a qual temos que seguir construindo alternativas e dizendo não”, arremata.

Conheça um pouco mais sobre as experiências apresentadas na oficina no Rio
Coletivo Martha Trindade – Santa Cruz – Rio de Janeiro/RJ –Brasil
Jovens do bairro periférico de Santa Cruz na cidade do Rio de Janeiro organizados em resistência aos impactos causados pela maior siderúrgica da América Latina, TKCSA, com foco no processo de Vigilância Popular em Saúde, no qual se realiza a medição da qualidade do ar do bairro com objetivo de verificar a poluição atmosférica causada pela siderúrgica. Processo esse realizado junto ao Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), a Organização Justiça Nos Trilhos (JNT) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Coletivo de Jovens de Piquiá de Baixo
Jovens de Piquiá de Baixo, bairro periférico da cidade de Açailândia no Maranhão, organizados em torno da resistência aos impactos causados de cinco empresas siderúrgicas no território. Compartilham com o coletivo de Santa Cruz, o PACS, a JNT e a Fiocruz, o processo de Vigilância Popular em Saúde realizando as medições da qualidade do ar no bairro. Anterior a esse processo a comunidade de Piquiá de Baixo conseguiu ser reassentada através da luta dos moradores e dos impactos evidentes causados pelas empresas. O reassentamento ainda está em processo de execução.
FAPP – BG – Fórum dos afetados pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas Cercanias da Baia de Guanabara – Rio de Janeiro
http://fappbg.blogspot.com.br/
O FAPP é um grupo formado por diferentes atores sociais em torno da denúncia e práticas de resistência relacionadas com as injustiças ambientais e vulnerabilidades causadas por unidades industriais de petróleo e petroquímica na Baía de Guanabara.  Estão iniciando um processo de vigilância ambiental junto à Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ/IPPUR e PROURB – UFRJ, identificando os conflitos relacionados à água no entorno do Polo Petroquímico e análise da qualidade da água (aspectos biológicos e físico-químicos).
BePe (Bienaventurados los pobres) – Catamarca / Argentina
http://www.bepe.org.ar/
Organização que resiste aos impactos gerados pela mineração na cidade de Andalgála no norte da Argentina. Como prática de vigilância popular realizam um processo de identificação dos problemas de saúde causados pela mineração no território a partir da percepção dos moradores. Estão construindo de um estudo epidemiológico do tipo descritivo com a finalidade de conhecer, desde a própria visão e percepção da comunidade as enfermidades emergentes e crônicas em Andalgála, e sua possível relação com o desenvolvimento de atividades econômicas produtivas vinculadas a mineração a céu aberto.
Clínica Ambiental – Amazônia – Equador (Acción Ecológica)
http://www.clinicambiental.org/
A Clínica Ambiental surge em 2008 como uma proposta de reparação integral da saúde diante dos graves problemas que atravessam a Amazonía Equatoriana. Tem sua sede principal na cidade de Lago Agrio, zona afetada por atividades petroleiras, fumigações aéreas e uso indiscriminado de pesticidas em monocultivos da região. A reparação proposta vem desde dentro e de abaixo, que inclua o solo, as plantas, animais, as pessoas em zonas de alta exposição a contaminantes, desde a recuperação do tecido social e do ecossistema.
Grufides – Grupo de Formação e Ação para o Desenvolvimento Sustentável – Cajamarca/ PERU
http://www.grufides.org/
Organização que desenvolve junto a coletivos territoriais de Cajamarca ações de incidência e fortalecimento de capacidades frente a problemática ambiental, enfatizando no direito a água. Especialmente frente às atividades extrativistas, os riscos de desastres, promovendo sistemas de produção ambientalmente sustentáveis e economicamente solidários, como parte da construção do Bem Viver. Realizam diretamente ações a partir de comitês de vigilância ambiental em rios e bacias hidrográficas, identificando a poluição causada por atividades extrativistas na região e seus impactos sociais e ambientais.
Relatos de pesquisas: Caetités (BA) e Santa Quitéria (CE)
Caso de Mineração de Urânio em Caetité (BA) e Santa Quitéria (CE). Relatos do professor e pesquisador Renan Finamore sobre o processo de Vigilância Popular em Saúde realizada junto à comunidade de Caetités e da mestranda do IPPUR-UFRJ, Bruna Sarkis, sobre riscos, saúde e alternativas de produção de conhecimentos para justiça ambiental nas duas comunidades.

Fotos: Bárbara Pelacani e Wanessa de Andrade

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