Sandra Quintela, coordenadora do Instituto PACS, explica aspectos da reforma que atingirão diretamente alguns dos setores mais frágeis da sociedade
Por Christian Russau
Este ano, o 8 de março foi marcado por manifestações de mulheres, fechamento de ruas, avenidas e estradas e protestos que, além de reivindicarem o fim de todas as formas de violência contra as mulheres e pela equidade de direitos, denunciavam o sexismo e machismo que marcam a proposta de reforma da presidência levada a cabo pelo governo ilegítimo de Michel Temer.
Após o levante das mulheres, em 15 de março, mais de um milhão de pessoas em mais de 200 cidades no Brasil foram às ruas para também para protestar contra a PEC 287. Quais os impactos dessa Reforma nas nossas vida?
Leia abaixo entrevista com Sandra Quintela, economista, coordenadora geral do PACS:
As pessoas que protestam criticam que a reforma da previdência atingiria especialmente às mulheres. Por quê?
Em primeiro lugar não se trata de uma “reforma” da previdência. Trata-se da entrega dos fundos públicos que garantem não só a aposentadoria, como também a assistência social e a saúde que compõem juntos o que chamamos de Seguridade Social, aos interesses privados, principalmente aos bancos. Um sistema complexo, um tripé que garante desde a licença maternidade à licença por questões de saúde passando pela aposentadoria por tempo de serviço ou por invalidez.
Nós mulheres somos as mais afetadas porque essa proposta acaba com as diferenças entre idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres, estabelece a idade mínima de 65 anos para ambos os sexos desconsiderando a desigual divisão sexual do trabalho onde as mulheres estão sobrecarregadas com as tarefas domésticas de cuidado de filhos e idosos, por exemplo.
No Brasil, apesar das mulheres serem a maioria da população (51%), nós somos apenas 43% das pessoas ocupadas contra 57 % dos homens. A falta de creches é o principal motivo das mulheres não buscarem trabalho fora de casa. Além disso, nós recebemos cerca de 76% do salário do homem para a mesma função embora o número de lares chefiados por mulheres tenha pulado de 23% para 40% nos últimos em 20 anos. Sem resolver essas diferenças e disparidades, igualar a idade de aposentadoria entre homens e mulheres só vai aprofundá-las ainda mais.
O que significariam as cortes no Benefício de Prestação Continuada (BPC)? Quem seria o mais atingido nisso?
O BPC é um benefício assistencial no valor de um salário mínimo, concedido a idosos e deficientes físicos sem necessidade de ter contribuído com a previdência. Para ter acesso ao BPC, é preciso comprovar que a renda familiar é inferior a um quarto do salário mínimo vigente. Na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que trata da reforma da Previdência, o governo prevê a elevação de 65 para 70 anos da idade a partir da qual o idoso tem direito a pleitear o BPC. Na realidade esse benefício não tem nada a ver com previdência. Trata-se de um programa de assistência social e não podemos entender porque está incluído no pacote da contrarreforma da previdência.
Quais consequências a reforma da previdência pode trazer para os que trabalham no campo ou pescadores/as artesanais?
Pelas as novas regras que podem ser estabelecidas pela PEC 287, o trabalhador e a trabalhadora rural só poderão se aposentar com idade mínima de 65 anos. E mesmo com 65 anos, esses camponeses só conseguirão aposentadoria se contribuírem mensalmente com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) por 25 anos. Mas, caso queiram receber a aposentadoria no valor integral, terão que contribuir por 49 anos.
Desde 1988, a Previdência Social é considerada a principal fonte de distribuição de renda do país. Muitas pequenas cidades mantém sua economia girando através da renda dos/das aposentados/as. Com a situação de empobrecimento no campo, com longas secas como é o caso da região nordeste do país, como essas famílias podem garantir a contribuição mensal à previdência sendo que muitas delas já vivem hoje a base de programas de assistência como o Bolsa Família?
Isso se estende para populações quilombolas, pescadores artesanais; ou seja, para as populações tradicionais que muito tem sofrido com o processo de grandes obras que tem tirado suas terras e seus modos de vida.
Os militares ficarão de fora. Será um projeto à parte, diz Temer. O que há por trás disso?
Militares serão tratados em projeto de lei separado. Policiais militares e bombeiros seguem a regra permanente aplicada aos demais trabalhadores e trabalhadoras, sendo que o cálculo previsto na regra de transição para homens com 50 anos ou mais e mulheres com 45 anos ou mais, fica a cargo dos Estados.
Atrás disso está à busca do apoio tácito a esse governo que não tem nenhuma legitimidade e nenhuma popularidade. Não daria [para levar adiante a proposta] politicamente de também não ter o apoio das forças policiais e militares.
Aqueles a favor da reforma argumentam que a Previdência registra rombo crescente: gastos saltaram de 0,3% do PIB, em 1997, para projetados 2,7%, em 2017. Em 2016, o déficit do INSS chega aos R$ 149,2 bilhões (2,3% do PIB) e em 2017, está estimado em R$ 181,2 bilhões. Os brasileiros estão vivendo mais, a população tende a ter mais idosos, e os jovens, que sustentam o regime, diminuirão. Como você avalia esses números?
A Associação Nacional dos Fiscais da Previdência (ANFIP) afirma, baseada em dados do Tesouro Nacional, que recursos arrecadados são mais do que suficientes para cobrir os gastos da previdência. O Sistema da Seguridade Social é superavitário. Em 2012 o superávit foi de R$ 82,7 bilhões; 2013R$ 76,2 bilhões; 2014 R$53,8 bilhões e 2015R$ 23,9 bilhões.
A informação que o governo divulga separa as contas da previdência das contas da seguridade social. O que não é legal, pois, desde a constituição de 1988 funciona assim o sistema no Brasil. É uma clara manobra para privilegiar os bancos. Não é a toa que a PEC 287 chega ao Congresso Nacional pelas mãos do Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ex-funcionário do Banco de Boston.
Recentemente, uma juíza ordenou a suspensão da veiculação de propagandas do governo federal sobre a reforma da Previdência, alegando que ela não possui caráter educativo, informativo ou de orientação social, como exige a Constituição.
Temer disse também que a reforma da previdência só faz sentido num pacote conjunto com a PEC que limita os gastos públicos pelos próximos 20 anos. O que acha desse argumento?
A PEC 55 congela os gastos federais por 20 anos. Com exceção dos gastos financeiros. Esses gastos passaram de 42,43% do orçamento geral da união em 2016 para 50,66% para 2017. Além disso, o presidente golpista Michel Temer modificou a alíquota da Desvinculação das receitas da União – DRU de 20% para 30%. A DRU permite que se mexa em até 30 % das rubricas do orçamento da União aprovadas pelo congresso nacional. Ou seja, o governo federal pode tirar 30% do orçamento da seguridade social, da educação; da segurança pública etc. etc. Historicamente esses recursos têm sido retirados em função da destinação, ou melhor, desvio desses recursos para o pagamento de juros e amortização da dívida pública.
É cada vez mais evidente que o golpe ocorrido no Brasil em agosto de 2016 foi um golpe organizado pela burguesia, a grande mídia e o judiciário para tirar todas as conquistas sociais que tivemos ao longo do século XX e inicio do XXI. São perdas incalculáveis que vão desde as contra reformas previdência e trabalhista até a estrangeirização das terras e o retrocesso em toda a legislação ambiental. É a entrega total do país aos interesses do capital financeiro internacional. O golpe é contra a classe trabalhadora.
Por Christian Russau
Este ano, o 8 de março foi marcado por manifestações de mulheres, fechamento de ruas, avenidas e estradas e protestos que, além de reivindicarem o fim de todas as formas de violência contra as mulheres e pela equidade de direitos, denunciavam o sexismo e machismo que marcam a proposta de reforma da presidência levada a cabo pelo governo ilegítimo de Michel Temer.
Após o levante das mulheres, em 15 de março, mais de um milhão de pessoas em mais de 200 cidades no Brasil foram às ruas para também para protestar contra a PEC 287. Quais os impactos dessa Reforma nas nossas vida?
Leia abaixo entrevista com Sandra Quintela, economista, coordenadora geral do PACS:
As pessoas que protestam criticam que a reforma da previdência atingiria especialmente às mulheres. Por quê?
Em primeiro lugar não se trata de uma “reforma” da previdência. Trata-se da entrega dos fundos públicos que garantem não só a aposentadoria, como também a assistência social e a saúde que compõem juntos o que chamamos de Seguridade Social, aos interesses privados, principalmente aos bancos. Um sistema complexo, um tripé que garante desde a licença maternidade à licença por questões de saúde passando pela aposentadoria por tempo de serviço ou por invalidez.
Nós mulheres somos as mais afetadas porque essa proposta acaba com as diferenças entre idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres, estabelece a idade mínima de 65 anos para ambos os sexos desconsiderando a desigual divisão sexual do trabalho onde as mulheres estão sobrecarregadas com as tarefas domésticas de cuidado de filhos e idosos, por exemplo.
No Brasil, apesar das mulheres serem a maioria da população (51%), nós somos apenas 43% das pessoas ocupadas contra 57 % dos homens. A falta de creches é o principal motivo das mulheres não buscarem trabalho fora de casa. Além disso, nós recebemos cerca de 76% do salário do homem para a mesma função embora o número de lares chefiados por mulheres tenha pulado de 23% para 40% nos últimos em 20 anos. Sem resolver essas diferenças e disparidades, igualar a idade de aposentadoria entre homens e mulheres só vai aprofundá-las ainda mais.
O que significariam as cortes no Benefício de Prestação Continuada (BPC)? Quem seria o mais atingido nisso?
O BPC é um benefício assistencial no valor de um salário mínimo, concedido a idosos e deficientes físicos sem necessidade de ter contribuído com a previdência. Para ter acesso ao BPC, é preciso comprovar que a renda familiar é inferior a um quarto do salário mínimo vigente. Na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que trata da reforma da Previdência, o governo prevê a elevação de 65 para 70 anos da idade a partir da qual o idoso tem direito a pleitear o BPC. Na realidade esse benefício não tem nada a ver com previdência. Trata-se de um programa de assistência social e não podemos entender porque está incluído no pacote da contrarreforma da previdência.
Quais consequências a reforma da previdência pode trazer para os que trabalham no campo ou pescadores/as artesanais?
Pelas as novas regras que podem ser estabelecidas pela PEC 287, o trabalhador e a trabalhadora rural só poderão se aposentar com idade mínima de 65 anos. E mesmo com 65 anos, esses camponeses só conseguirão aposentadoria se contribuírem mensalmente com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) por 25 anos. Mas, caso queiram receber a aposentadoria no valor integral, terão que contribuir por 49 anos.
Desde 1988, a Previdência Social é considerada a principal fonte de distribuição de renda do país. Muitas pequenas cidades mantém sua economia girando através da renda dos/das aposentados/as. Com a situação de empobrecimento no campo, com longas secas como é o caso da região nordeste do país, como essas famílias podem garantir a contribuição mensal à previdência sendo que muitas delas já vivem hoje a base de programas de assistência como o Bolsa Família?
Isso se estende para populações quilombolas, pescadores artesanais; ou seja, para as populações tradicionais que muito tem sofrido com o processo de grandes obras que tem tirado suas terras e seus modos de vida.
Os militares ficarão de fora. Será um projeto à parte, diz Temer. O que há por trás disso?
Militares serão tratados em projeto de lei separado. Policiais militares e bombeiros seguem a regra permanente aplicada aos demais trabalhadores e trabalhadoras, sendo que o cálculo previsto na regra de transição para homens com 50 anos ou mais e mulheres com 45 anos ou mais, fica a cargo dos Estados.
Atrás disso está à busca do apoio tácito a esse governo que não tem nenhuma legitimidade e nenhuma popularidade. Não daria [para levar adiante a proposta] politicamente de também não ter o apoio das forças policiais e militares.
Aqueles a favor da reforma argumentam que a Previdência registra rombo crescente: gastos saltaram de 0,3% do PIB, em 1997, para projetados 2,7%, em 2017. Em 2016, o déficit do INSS chega aos R$ 149,2 bilhões (2,3% do PIB) e em 2017, está estimado em R$ 181,2 bilhões. Os brasileiros estão vivendo mais, a população tende a ter mais idosos, e os jovens, que sustentam o regime, diminuirão. Como você avalia esses números?
A Associação Nacional dos Fiscais da Previdência (ANFIP) afirma, baseada em dados do Tesouro Nacional, que recursos arrecadados são mais do que suficientes para cobrir os gastos da previdência. O Sistema da Seguridade Social é superavitário. Em 2012 o superávit foi de R$ 82,7 bilhões; 2013R$ 76,2 bilhões; 2014 R$53,8 bilhões e 2015R$ 23,9 bilhões.
A informação que o governo divulga separa as contas da previdência das contas da seguridade social. O que não é legal, pois, desde a constituição de 1988 funciona assim o sistema no Brasil. É uma clara manobra para privilegiar os bancos. Não é a toa que a PEC 287 chega ao Congresso Nacional pelas mãos do Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ex-funcionário do Banco de Boston.
Recentemente, uma juíza ordenou a suspensão da veiculação de propagandas do governo federal sobre a reforma da Previdência, alegando que ela não possui caráter educativo, informativo ou de orientação social, como exige a Constituição.
Temer disse também que a reforma da previdência só faz sentido num pacote conjunto com a PEC que limita os gastos públicos pelos próximos 20 anos. O que acha desse argumento?
A PEC 55 congela os gastos federais por 20 anos. Com exceção dos gastos financeiros. Esses gastos passaram de 42,43% do orçamento geral da união em 2016 para 50,66% para 2017. Além disso, o presidente golpista Michel Temer modificou a alíquota da Desvinculação das receitas da União – DRU de 20% para 30%. A DRU permite que se mexa em até 30 % das rubricas do orçamento da União aprovadas pelo congresso nacional. Ou seja, o governo federal pode tirar 30% do orçamento da seguridade social, da educação; da segurança pública etc. etc. Historicamente esses recursos têm sido retirados em função da destinação, ou melhor, desvio desses recursos para o pagamento de juros e amortização da dívida pública.
É cada vez mais evidente que o golpe ocorrido no Brasil em agosto de 2016 foi um golpe organizado pela burguesia, a grande mídia e o judiciário para tirar todas as conquistas sociais que tivemos ao longo do século XX e inicio do XXI. São perdas incalculáveis que vão desde as contra reformas previdência e trabalhista até a estrangeirização das terras e o retrocesso em toda a legislação ambiental. É a entrega total do país aos interesses do capital financeiro internacional. O golpe é contra a classe trabalhadora.