Por um projeto da esquerda para a questão socioambiental

Em 22/05, às 17:00, Guilherme Boulos e Sônia Guajajara discutirão, em São Paulo, no Auditório Fernando Braudel da História da USP, um projeto abrangente para o enfrentamento das crises socioambientais no Brasil e no mundo
 
Por Álvaro Bianchi, Unicamp; Carlos Eduardo Berriel, Unicamp; Cibele Rizek, USP; Deborah Danowski, PUC-Rio; Eduardo Viveiros de Castro, UFRJ; Fabio Luiz Barbosa dos Santos, UNIFESP; Felipe Milanez, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB; Francisco Foot Hardman, Unicamp; Gabriel Zacharias, Unicamp; Hugh Lacey, Swarthmore University/USP; Isabel Loureiro, UNES; Jean Tible, USP; Joana Barros, UNIFESP; Jorge Grespan, USP; Larissa Mies Bombardi, USP; Luiz Marques, Unicamp; Manuela Carneiro da Cunha, University of Chicago; Márcio Seligmann-Silva, Unicamp; Marcos Barbosa de Oliveira, USP; Mauro de Almeida, Unicamp; Michael Löwy, CNRS; Pablo Mariconda, USP; Victor Leonardi, UNB
Em 2014, a FAO lançou um manifesto, intitulado: “Não podemos viver sem florestas”, reiterando o que todos sabemos: as florestas são imprescindíveis para sustentar a vida no planeta e são o lar de 80% da biodiversidade terrestre. Sua destruição e o uso insustentável da água e dos solos ameaçam o bem-estar, as culturas, a identidade e, no limite, a sobrevivência de qualquer sociedade digna desse nome. A destruição ambiental trazida pelo modelo econômico global e insustentável implantado no Brasil desde a ditadura militar destrói na mesma medida a sociedade. E nem poderia ser diferente, já que a sociedade depende existencialmente dos recursos naturais necessários à vida humana. Por isso, a questão ambiental não é apenas uma questão entre outras. Ela é a questão transversal, que antecede, permeia e condiciona a economia e as políticas relativas a todos os aspectos da sociedade brasileira. Nenhum projeto para o Brasil terá credibilidade se não tiver como ponto de partida e como referência de base um projeto socioambiental.
A Amazônia e o Cerrado, por exemplo, são a caixa d’água do país. Da preservação de sua cobertura vegetal dependem a estabilidade do clima, das chuvas, dos rios, dos reservatórios e dos aquíferos, portanto a segurança hídrica e alimentar inclusive de regiões distantes desses dois biomas, como o Sul e o Sudeste. O desmatamento por corte raso e a degradação da floresta amazônica brasileira já somam uma área de cerca de dois milhões de km2 ou 40% de sua extensão original. No Cerrado, que se estende por quase um quarto do território nacional (2 milhões de km2), encontram-se três grandes aquíferos (Guarani, Bambuí e Urucuia) e nele nascem três grandes bacias hidrográficas (Tocantins-Araguaia, Paraná-Prata e São Francisco), recursos vitais e já declinantes por causa da eliminação de cerca de 50% da cobertura vegetal dessa região. Também os remanescentes da Mata Atlântica, reserva preciosa de biodiversidade e de recursos hídricos, continuam sendo impunemente devastados, sobretudo pela mineração e pelo avanço do agronegócio.
A engrenagem econômica que está destruindo o patrimônio natural do país é a mesma que está degradando seu tecido social pela desigualdade e pela violência crescentes, pelo empobrecimento e marginalização da maioria esmagadora do povo brasileiro e pela eliminação e expulsão dos povos indígenas, os povos das florestas, ribeirinhos, quilombolas, caiçaras e pequenos agricultores. Nessa engrenagem encontram sua causa principal também as mudanças climáticas causadas sobretudo pelas emissões de gases de efeito estufa oriundas da queima de combustíveis fósseis, as catástrofes socioambientais acarretadas pela mineração e pelas hidrelétricas, incêndios florestais mais devastadores, escassez e poluição das águas, empobrecimento dos solos pela agricultura insustentável, extermínio da biodiversidade e a intoxicação dos organismos humanos e não humanos pelos polímeros e demais compostos químicos.
Dada a urgência de deter esses processos que nos condenam a um horizonte de colapso socioambiental, os abaixo-assinados convidam os candidatos à Presidência da República, Guilherme Boulos e Sônia Guajajara, a discutirem, num próximo encontro, um projeto abrangente para o enfrentamento das crises socioambientais no Brasil e no mundo.
boulos_sonia_k
São Paulo, 24 de abril de 2018

(assinaturas)
Os temas abaixo elencados pretendem apenas sugerir uma pauta introdutória para essa discussão:
I. Patrimônio natural e economia solidária
A natureza não pode mais ser concebida como um fator de produção ou como um simples insumo do sistema econômico. O contrário é a verdade: a economia é um subsistema da natureza e depende umbilicalmente dela para atender às necessidades humanas. Portanto, o desenvolvimento socioeconômico é algo muito diverso do simples crescimento do PIB. Ele só é benéfico e duradouro para a sociedade como um todo quando obtido sem a degradação da comunidade de vida que integramos. O verdadeiro desenvolvimento econômico é o que preserva todos os ecossistemas brasileiros e fomenta as atividades econômicas de menor impacto ambiental, harmonizando tecnologia avançada e saberes tradicionais longamente sedimentados pela experiência das comunidades locais. Essas comunidades devem ter participação ativa na discussão e deliberação sobre quaisquer projetos que impliquem intervenção nos ecossistemas. O avanço na demarcação das terras indígenas e dos quilombolas e o equacionamento das vítimas das barragens são prioridades indissociáveis dessa pauta.
II. Combate às mudanças climáticas
É hoje consenso científico global a constatação de que as mudanças climáticas são a mais sistêmica ameaça à humanidade. Como país tropical e historicamente litorâneo, somos particularmente vulneráveis ao aquecimento global e à elevação do nível do mar daí decorrente, mas somos também o sétimo país mais emissor de gases de efeito estufa causadores dessas mudanças climáticas. O Brasil aumentou suas emissões recentemente por causa do desmatamento, da pecuária, dos incêndios provocados em geral pelos fazendeiros e pelo uso cada vez maior de termelétricas e de hidrelétricas. Reduzir nossas emissões de gases de efeito estufa só será possível se zerarmos o desmatamento, diminuirmos o rebanho bovino e substituirmos as usinas termelétricas que emitem dióxido de carbono e as hidrelétricas que liberam metano por fontes de energia renovável e de baixo carbono, tais como a energia solar e a eólica.
III. Reforma agrária e mudanças no paradigma alimentar
O consumo interno de carne bovina é o maior motor do desmatamento no Brasil e a OMS adverte que o consumo de carne processada é cancerígeno e, em geral, prejudicial à saúde. Deve-se almejar a superação desse paradigma alimentar na direção de uma agricultura voltada para a produção de alimentos e não para a produção de soft commodities para o mercado externo. A produção agrícola orgânica e outras agriculturas livres de agrotóxicos e fertilizantes industriais podem e devem obter escala macroeconômica. Essa política deve estar intimamente associada a um aprofundamento da reforma agrária e do assentamento dos pequenos agricultores.
IV. Salvaguarda e recuperação dos recursos hídricos
A água já é, e será sempre mais no futuro, um bem escasso no Brasil. Ao Estado cabe difundir esse conceito orientador de políticas públicas e comportamentos sociais. As premissas devem ser: uso otimizado da água na atividade econômica e no consumo doméstico, preservação dos reservatórios e mananciais, reconstituição da manta florestal, especialmente das matas ciliares, defesa dos aquíferos e lençóis freáticos em relação à poluição, potabilização das águas pluviais etc. A proteção e recuperação dos aquíferos e mananciais deve ser questão estratégica do Estado e das políticas de segurança pública e nacional.
V. Cidades e parques industriais sustentáveis
A qualidade de vida urbana e o equilíbrio ambiental dependem crucialmente da adoção das seguintes políticas urbanas e industriais:
a- Saneamento básico, tendo como meta prioritária a sua extensão a todas as regiões e municípios; b- Coleta, processamento adequado e reciclagem do lixo doméstico e dos resíduos industriais; c- Preservação das áreas de mananciais e recuperação das áreas já ocupadas;  d- Preservação das várzeas e ampliação das áreas verdes; e- Transição para uma matriz de transporte sustentável com prioridade para transportes públicos de qualidade nas cidades medias e grandes, com o adensamento da rede metroviária e ferroviária e estímulo aos veículos elétricos; f- Diminuição da poluição atmosférica, visual e sonora. Nessa pauta, o protagonismo deve ser sempre dos trabalhadores urbanos e do movimento nacional dos trabalhadores sem-teto.
IV. Política socioambiental internacional
O Brasil é o primeiro interessado na defesa do que ainda resta de seu excepcional patrimônio natural. A política externa do país pode e deve fazer avançar as normas internacionais de proteção ambiental, a começar por uma diplomacia de bloco entre todos os oito países latino-americanos sobre os quais se estende o complexo amazônico. Reconhecendo que as crises socioambientais, por seu caráter global, só podem ser efetivamente enfrentadas pelo conceito de interdependência, a política externa do Brasil deve reivindicar o reconhecimento dos imensos benefícios de uma governança global voltada para a mitigação dessas crises, com os olhos voltados prioritariamente para os excluídos do progresso e da globalização, bem como os refugiados políticos, religiosos, étnicos e climáticos, dentro e fora do Brasil.
VII. Os direitos humanos são um caso particular dos direitos da natureza
O êxito do projeto humano depende da preservação da natureza. Os direitos humanos mais elementares à vida, à saúde, à água, ao ar puro e à produção de alimentos nutritivos e não tóxicos só podem ser conquistados e preservados se forem concebidos em co-usufruto respeitoso com a comunidade dos seres vivos, como bens comuns. Nossos direitos humanos fundam-se no direito maior à plena existência e integridade da biota planetária. Como bem afirma a Encíclica Laudato Sì (par. 33) “Não basta pensar nas diferentes espécies apenas como eventuais «recursos» exploráveis, esquecendo que possuem valor em si mesmas. Anualmente, desaparecem milhares de espécies vegetais e animais, que já não poderemos conhecer, que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para sempre”. A alfabetização ecológica, visando construir sobre novas premissas as relações homem-natureza, deve estar entre as metas centrais dos programas educacionais do país. A violência social, econômica e cultural contra as vítimas da mercantilização e do progresso e a violência contra o meio ambiente silvestre, rural e urbano devem ser combatidas igualmente e de modo articulado.

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