Para Vladimir Safatle, «conceito moderno de desenvolvimento precisa valorizar o menos, e não o mais».
Artigo publicado na Carta Capital.
São Paulo foi a síntese dos sonhos de crescimento econômico brasileiro. Orgulhosamente, assumiu para si a ideia de um lugar que nunca poderia parar. Durante os anos 50 e 60, a cidade foi uma daquelas que mais cresceram no mundo, em um ritmo que poderíamos chamar de “cancerígeno”.
Uma vez, perguntaram ao antropólogo Claude Lévi-Strauss o motivo de, após passar alguns de seus mais felizes anos na São Paulo da década de 30, nunca ter voltado à cidade. Sua resposta indicava a tristeza de quem sabia que aquele era um lugar submetido a um ritmo marcial de crescimento e autodestruição. Retornar décadas depois seria apenas ir à procura dos escombros de lembranças prensadas entre os mais novos empreendimentos imobiliários neoclássicos.
Essa característica de São Paulo era, no fundo, a verdade do Brasil. Como se nosso país fosse dividido por uma oposição sem síntese entre lentidão e aceleração desesperada. Como se ele tivesse criado para si a mitologia de uma nação adormecida que só poderia acordar ao som ensurdecedor de uma sinfonia de serras elétricas e britadeiras. São Paulo foi apenas a versão mais dramática desse conflito sem dialética.
Agora, depois de uma década de crescimento econômico significativo, fica claro como o País nunca conseguiu criar nada além desse conceito de desenvolvimento autodestrutivo digno dos anos 50. As últimas décadas, todas elas marcadas pela tentativa de desenvolver uma consciência ecológica global, parecem, em larga medida, longe de nossos governos. Tal consciência deveria ter mostrado como não é possível falar em desenvolvimento econômico sem sua regulação por um planejamento ecológico capaz de impedir que crescer signifique explodir as cidades com carros que não conseguem andar, adensar cidades com monstruosidades em forma de edifícios, jogar uma pá de cal nos rios, rasgar as cidades com condomínios fechados ou redesenhar a geografia para os interesses do agronegócio. No interior do modelo capitalista de desenvolvimento, crescer não poderia, porém, significar outra coisa.
Esse modelo que retira todo o sentido da noção de “bem comum”, que leva populações a acreditar que crescimento é aumento de posses individuais, que desqualifica como arcaísmo a recusa a uma relação meramente produtivista com a natureza é radicalmente contrário a uma preocupação realmente ecológica. Da mesma forma, essa instrumentalização produtivista ocasionou as piores catástrofes nas antigas burocracias comunistas e ainda pulsa na nova burocracia dos comunistas chineses. Contra todos eles, talvez esteja na hora de dizer que devemos parar de crescer.
Alguns dirão que tudo isso é um “discurso classe média ressentido” que, no Brasil, nada quer saber a respeito da importância da integração recente das classes populares a padrões de consumo até então restritos a poucos. No fundo, reclamaríamos, pois agora há muita gente com carro, viajando, construindo, comendo carne.
Essa crítica possível é profundamente desonesta. Desenvolvimento não deveria simplesmente significar “mais pessoas comprando carros”, mas “menos necessidade de usar carros”. Não “mais pessoas trabalhando”, mas “menos necessidade de trabalhar”, principalmente em um país onde a jornada de trabalho ainda são as medievais 44 horas por semana. Ou seja, “parar de crescer” significa descobrir que o verdadeiro desenvolvimento não é algo que você descreve usando uma palavra como “mais”, mas sim, em larga medida, “menos”. É a partir dessa lógica que o desenvolvimento econômico precisa ser pensado.
Lembro-me de, há uma década, ouvir o filósofo Giorgio Agamben indignado com o finado governo de centro-esquerda na Itália. “O problema”, dizia Agamben, “é que no fundo eles querem ter o mesmo modo de vida de Berlusconi, com seu consumo, com seu jet set. Um toque um pouco diferente aqui, um pouco mais de cultura ali, mas no fundo o mesmo modo de vida. O que se esperava é que eles mostrassem que é possível viver de outra forma.” Acho que isso vale para mais de um governo de esquerda.
Por mais que isso possa parecer estranho a alguns, não há princípio moral que justifique a proibição do uso de drogas por adultos responsáveis por seus atos. As modalidades de prazeres do corpo, a decisão sobre os alimentos e substâncias que consumo é fruto de deliberações individuais. Cabe ao Estado simplesmente alertar seus cidadãos sobre os riscos de suas decisões.
Artigo publicado na Carta Capital.
São Paulo foi a síntese dos sonhos de crescimento econômico brasileiro. Orgulhosamente, assumiu para si a ideia de um lugar que nunca poderia parar. Durante os anos 50 e 60, a cidade foi uma daquelas que mais cresceram no mundo, em um ritmo que poderíamos chamar de “cancerígeno”.
Uma vez, perguntaram ao antropólogo Claude Lévi-Strauss o motivo de, após passar alguns de seus mais felizes anos na São Paulo da década de 30, nunca ter voltado à cidade. Sua resposta indicava a tristeza de quem sabia que aquele era um lugar submetido a um ritmo marcial de crescimento e autodestruição. Retornar décadas depois seria apenas ir à procura dos escombros de lembranças prensadas entre os mais novos empreendimentos imobiliários neoclássicos.
Essa característica de São Paulo era, no fundo, a verdade do Brasil. Como se nosso país fosse dividido por uma oposição sem síntese entre lentidão e aceleração desesperada. Como se ele tivesse criado para si a mitologia de uma nação adormecida que só poderia acordar ao som ensurdecedor de uma sinfonia de serras elétricas e britadeiras. São Paulo foi apenas a versão mais dramática desse conflito sem dialética.
Agora, depois de uma década de crescimento econômico significativo, fica claro como o País nunca conseguiu criar nada além desse conceito de desenvolvimento autodestrutivo digno dos anos 50. As últimas décadas, todas elas marcadas pela tentativa de desenvolver uma consciência ecológica global, parecem, em larga medida, longe de nossos governos. Tal consciência deveria ter mostrado como não é possível falar em desenvolvimento econômico sem sua regulação por um planejamento ecológico capaz de impedir que crescer signifique explodir as cidades com carros que não conseguem andar, adensar cidades com monstruosidades em forma de edifícios, jogar uma pá de cal nos rios, rasgar as cidades com condomínios fechados ou redesenhar a geografia para os interesses do agronegócio. No interior do modelo capitalista de desenvolvimento, crescer não poderia, porém, significar outra coisa.
Esse modelo que retira todo o sentido da noção de “bem comum”, que leva populações a acreditar que crescimento é aumento de posses individuais, que desqualifica como arcaísmo a recusa a uma relação meramente produtivista com a natureza é radicalmente contrário a uma preocupação realmente ecológica. Da mesma forma, essa instrumentalização produtivista ocasionou as piores catástrofes nas antigas burocracias comunistas e ainda pulsa na nova burocracia dos comunistas chineses. Contra todos eles, talvez esteja na hora de dizer que devemos parar de crescer.
Alguns dirão que tudo isso é um “discurso classe média ressentido” que, no Brasil, nada quer saber a respeito da importância da integração recente das classes populares a padrões de consumo até então restritos a poucos. No fundo, reclamaríamos, pois agora há muita gente com carro, viajando, construindo, comendo carne.
Essa crítica possível é profundamente desonesta. Desenvolvimento não deveria simplesmente significar “mais pessoas comprando carros”, mas “menos necessidade de usar carros”. Não “mais pessoas trabalhando”, mas “menos necessidade de trabalhar”, principalmente em um país onde a jornada de trabalho ainda são as medievais 44 horas por semana. Ou seja, “parar de crescer” significa descobrir que o verdadeiro desenvolvimento não é algo que você descreve usando uma palavra como “mais”, mas sim, em larga medida, “menos”. É a partir dessa lógica que o desenvolvimento econômico precisa ser pensado.
Lembro-me de, há uma década, ouvir o filósofo Giorgio Agamben indignado com o finado governo de centro-esquerda na Itália. “O problema”, dizia Agamben, “é que no fundo eles querem ter o mesmo modo de vida de Berlusconi, com seu consumo, com seu jet set. Um toque um pouco diferente aqui, um pouco mais de cultura ali, mas no fundo o mesmo modo de vida. O que se esperava é que eles mostrassem que é possível viver de outra forma.” Acho que isso vale para mais de um governo de esquerda.
Por mais que isso possa parecer estranho a alguns, não há princípio moral que justifique a proibição do uso de drogas por adultos responsáveis por seus atos. As modalidades de prazeres do corpo, a decisão sobre os alimentos e substâncias que consumo é fruto de deliberações individuais. Cabe ao Estado simplesmente alertar seus cidadãos sobre os riscos de suas decisões.