Por Perry Anderson*
A crise grega provocou uma mistura previsível de indignação e autossatisfação na Europa, alternativamente lamentando a dureza do acordo imposto sobre Atenas ou celebrando a retenção de último minuto da Grécia dentro da família europeia, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Cada uma é mais fútil que a outra. Uma análise realista não dá espaço para nada disso.
Que a Alemanha é uma vez mais o poder hegemônico no continente não é novidade em 2015: isso está claro por pelo menos vinte anos. Nem a transformação da França em sua serva, em um relacionamento diferente daquele da Inglaterra e os Estados Unidos, uma novidade política: desde [general Charles] De Gaulle [que governou a França entre 1959-1969], os reflexos da classe política francesa reverteram para aqueles no começo dos quarenta anos de idade, não apenas em acomodação, mas em admiração ao poder supremo do dia, primeiro Washington e depois Berlim.
Em 2008, a estimativa mais cuidadosa, de dois economistas favoráveis à integração, Barry Eichengreen e Andrea Boltho, concluiu que poderia aumentar o PIB do mercado comum em 3-4 % do final dos anos 50 até a metade dos anos 70; que o impacto do Sistema Monetário Europeu era inútil; que o Ato Único Europeu poderia acrescentar 1%; e que a união monetária tinha quase nenhum efeito discernível tanto na taxa de crescimento quanto no nível de produção.
Isso foi antes de a crise financeira global atingir a Europa. Desde então, notoriamente, a camisa de força da moeda única foi tão desastrosa para o sul do Mediterrâneo da União Europeia (UE) quanto foi vantajosa para a Alemanha, onde a repressão salarial – que mascara um crescimento muito baixo de produtividade – deu à indústria alemã a faca e o queijo na mão dentro da UE. Em relação a taxas de crescimento, uma olhada sobre a performance econômica da Inglaterra ou da Suécia desde o [Tratado de] Maastricht é suficiente para mostrar o quão vazio é o argumento de que o euro foi particularmente abençoado para qualquer país fora seu principal arquiteto.
Essa é a realidade da “família Europeia” conforme construída pela união monetária e o Pacto de Estabilidade. Sua ideologia não foi afetada. No discurso oficial e intelectual, a UE assegura a paz e a prosperidade do continente, banindo o espectro de conflito entre as nações, defendendo os valores de democracia e direitos humanos e confirmando os princípios de um mercado livre temperado, no qual qualquer outra liberdade, em última análise, é baseada. Suas regras, embora firmes, são flexíveis; seus motivos conciliam solidariedade com eficiência.
Por causa da sensibilidade formada por essa ideologia – compartilhada pela instituição política europeia, e a imensa maioria dos comentaristas e jornalistas – os sofrimentos da Grécia foram dolorosos de observar. Mas no final, o bom senso prevaleceu, um acordo foi firmado e todos devem dividir a esperança de que nenhum dano irreparável tenha sido feito à UE.
Depois da vitória eleitoral do Syriza em janeiro, o curso tomado pela crise na Grécia também foi previsível, talvez com uma última virada que não poderia ser prevista. As origens da crise residem na combinação da fraude perpetrada pelo Pasok [Movimento Socialista Pan-Helênico] sob Kostantinos Simitis para ser qualificada a entrar na zona do euro, e o impacto da crise global de 2008 na fraca – endividada e não competitiva – economia grega.
Desde 2014, pacotes sucessivos de austeridade – que foram antes chamados de “planos de estabilização” – foram infringidos sobre a Grécia, ditados pela Alemanha e pela França, cujos bancos estavam mais ao risco de um calote grego, mas implementados pela Troika da Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, e o Fundo Monetário Internacional, supervisionando-os no local.
Cinco anos de desemprego massivo e cortes de benefícios depois, a dívida grega tinha apenas subido mais. O Syriza ganhou a eleição porque prometeu, com muita retórica inflamada, colocar fim à submissão da Grécia ao comando da Troika. Iria “renegociar” os termos da tutela do país na Europa. Como pretendia fazer isso? Simplesmente pedindo por um tratamento melhor, e xingando quando não dava certo – pedidos e xingamentos igualmente atrativos para os elevados valores da Europa, aos quais o Conselho Europeu certamente não permaneceria surdo.
Incompatível com esses desabafos, que misturavam súplicas e pragas, estava, doloroso desde o início, qualquer pensamento de desistir do euro. Havia duas razões para isso. De perspectiva provinciana, a liderança do Syriza encontrou dificuldade em fazer qualquer distinção mental entre ser parte da UE e da zona do euro, tratando a saída de uma como se significasse a expulsão virtual da outra: o maior pesadelo para qualquer bom europeu, como eles se acreditavam.
Eles também estavam conscientes de que os padrões de vida dos gregos – lubrificados com taxas baixas de juros trazidas pela convergência dos spreads em toda Europa; acimada com Fundos Estruturais – tinha verdadeiramente aumentado durante os anos Potemkin de Simitis, deixando memórias populares calorosas em relação ao euro, que não conectavam as subsequentes misérias a ele. O Syriza não tentou explicar a conexão. [O primeiro-ministro grego Alexis] Tspiras e seus colegas garantiram a todos que podiam ouvir que, pelo contrário, não se levantaria a questão de abandonar o euro.
Com isso, eles abandonaram qualquer esperança séria de barganhar com a Europa real – não a sua terra de sonhos. Em 2015, o perigo de uma saída de Grécia era economicamente muito menor do que teria sido em 2010, porque agora os bancos alemães e franceses já foram pagos com o resgate nominalmente enviado à Grécia. Apesar da conversa alarmista residual aqui e ali, o ministro das Finanças alemão, há algum tempo, e com boas razões, negou qualquer consequência material dramática de um calote grego.
Mas para a ideologia europeia, à qual os governos da zona do euro subscrevem, o golpe simbólico à moeda única – de fato, na linguagem corriqueira típica, ao próprio “projeto europeu” – seria doloroso, um revés que era necessário evitar. Se o Syriza tivesse colocado na jogada, desde que foi eleito, planos de contingência para um calote programado – preparando os controles de capital, a questão de uma moeda alternativa e outras medidas de transição que precisariam ser impostas da noite para o dia, para não acontecer uma desordem – e ameaçado a UE com uma, teria tido uma arma de barganha em suas mãos.
Se tivesse ainda deixado claro que no caso de um calote, poderia tirar a Grécia da OTAN, até Berlim teria pensado duas vezes sobre um terceiro pacote de austeridade, encarando o pavor norte-americano de tal prospecto. Mas para os Cândidos do Syriza, isso era naturalmente ainda mais tabu que o pensamento de uma saída da Grécia. Então, confrontados com um peticionário alternando entre suplicar e abusar deles, sem uma carta na manga, por que os poderes europeus deveriam fazer alguma concessão, sabendo de antemão que qualquer decisão que tomassem seria aceita? De seu lugar, eles se comportaram bastante racionalmente.
A única virada em uma crônica que era tão patentemente predita veio quando o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, desesperado, pediu um referendo sobre o terceiro memorando apresentado para o país, e a grande maioria do eleitorado grego o rejeitou. Armando com esse retumbante “não”, Tsipras voltou de Bruxelas tendo proferido um envergonhado “sim” para um quarto e ainda pior memorando, dizendo que ele não teve alternativa porque os gregos estavam presos ao euro.
Nesse caso, por que não perguntar no referendo – você aceitaria qualquer coisa, desde que o euro fosse mantido? Ao pedir “não” resoluto acontecesse, e dentro de uma semana demandar um “sim” submisso, o Syriza virou a casaca com uma velocidade nunca vista desde que os créditos da guerra eram financiados pela socialdemocracia europeia, em 1914, mesmo que dessa vez uma minoria do partido tenha salvado sua honra.
No curto prazo, Tsipras vai certamente florescer das ruínas de suas promessas, como – a mais óbvia comparação estrangeira – o líder do Partido dos Trabalhadores Ramsay Macdonald fez uma vez na Grã-Bretanha – levando o governo nacional composto de conservadores e impondo a austeridade durante a Depressão, antes de ser enterrado no desprezo de seus contemporâneos e da posteridade. A Grécia teve sua cota de figuras como essa. Pouco esqueceram de Stefanos Stefanopoulos da Apostasia de 1965. O país, certamente, vai ter que viver com mais um desses.
E qual a lógica maior da crise? Como todas as pesquisas de opinião mostram, a ligação à UE tem diminuído acentuadamente na última década, em todo lugar e por bons motivos. É agora largamente vista pelo que se tornou: uma estrutura oligárquica, crivada de corrupção, construída sobre a negação de qualquer tipo de soberania popular, reforçando um amargo regime econômico de privilégios para poucos e aperto para muitos.
Mas isso não significa que está enfrentando um perigo mortal vindo de baixo. A raiva está crescendo na população. Mas o medo ainda a ultrapassa muito. Em condições de insegurança crescente, mas perto de uma catástrofe, o primeiro instinto será sempre se segurar ao que existe, por mais repelente que seja, em vez de arriscar o que poderia ser radicalmente diferente. Isso vai mudar somente se, e quando, a raiva for maior que o medo. Nesse momento, aqueles que vivem com medo – a classe política na qual Tsipras e seus colegas agora entraram – estão seguros.
(*) Perry Anderson faz parte do corpo editorial do New Left Review. Texto publicado originalmente na Jacobin e traduzido pela Ópera Mundi