Em debate em São Paulo, Dercy Teles da Cunha e Osmarino Amâncio Rodrigues denunciam impactos da economia verde no Acre, resgatam memória de Chico Mendes como a de sindicalista comprometido com causas sociais e defendem que é preciso uma articulação nacional para frear avanço conservador
Por Daniel Santini
Duas lideranças sociais históricas do Acre protagonizaram na noite de terça-feira, 6 de março, um debate sobre políticas públicas, meio ambiente e povos da Amazônia. A convite da geógrafa Pietra Cepero Rua Perez, mestranda em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), os seringueiros Dercy Teles da Cunha e Osmarino Amâncio Rodrigues relembraram aspectos das mobilizações das quais participaram ao lado de Chico Mendes, e seu assassinado ocorido em 1988, há 30 anos. O evento foi realizado em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo e a livraria Tapera Taperá, localizada no centro de São Paulo.
Chico Mendes foi lembrado não apenas por seu lado ecologista, mas, principalmente, pelo seu legado como sindicalista comprometido com mobilizações sociais. Osmarino Amâncio Rodrigues recordou dos empates, mobilizações corajosas feitas muitas vezes sob mira de pistoleiros para impedir o desmatamento de florestas em articulações que uniram não apenas seringueiros, mas também povos indígenas e ambientalistas. Ele defendeu que é preciso um empate nacional para frear políticas conservadoras. Dercy Teles da Cunha lembrou dos desafios e dificuldades que enfrentou por ser uma das primeiros mulheres a presidir um sindicato no Brasil e compartilhou histórias das mobilizações em Xapuri, mesma cidade de Chico Mendes.
Além do resgate histórico, ambos fizeram também análises sobre a situação política atual do Acre e do Brasil, denunciando impactos de projetos de economia verde, incluindo a perda de autonomia e território de diferentes povos e comunidades. «Como diz o meu amigo Osmarino, a gente prefere rede [de dormir] do que REDD», afirmou a seringueira, referindo-se aos mecanismos de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal. Trata-se de ferramenta criada para que países altamente industrializados possam «compensar» aumento de emissões com a preservação de áreas que não necessariamente seriam desmatadas, impedindo mesmo atividades de baixo impacto praticadas a décadas por ribeirinhos, seringueiros e povos indígenas. O programa é criticado principalmente por não tocar nos pontos considerados a raíz do problema do desmatamento, incluíndo expansão de latifúndios, de pecuária extensiva, megaobras, hidrelétricas e abertura de estradas. Em 2013, uma uma visita da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma DHESCA (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais) constatou graves impactos ambientais e sociais no Acre relacionados a medidas de economia verde.
Para saber mais sobre REDD O Movimento Mundial pela Preservação das Florestas (WRM, da sigla em inglês) acompanha impactos da economia verde em todo mundo e tem publicado livros, relatórios, vídeos, cartilhas e outros materiais sobre projetos REDD e seus impactos. Na página do grupo, onde é possível acessar todo esse conteúdo, a sigla é apresentada da seguinte forma: «REDD significa Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação. Alterado para REDD+ ou REDD-plus, o conceito inclui conservação de florestas, manejo florestal sustentável e o carbono que possa ser armazenado por “reflorestamento”, inclusive através de plantações industriais de árvores. Apesar de estar diretamente relacionado às florestas e ao desmatamento tropical, o REDD+ está sendo debatido pela ONU no âmbito da Convenção sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e considerado pelos países do Norte como uma opção importante para que eles “reduzam” as emissões de carbono pagando a alguém para fazer a redução real por eles, e é considerado pelos países do Sul como uma oportunidade de obter dinheiro para a conservação da floresta. Os projetos-piloto de REDD+ mostram claramente que o mecanismo é uma mais uma grave ameaça para as populações florestais».