Em sua visita ao Brasil, cartunista participou de diversos eventos e explicou porque cidades que priorizam bicicletas e transporte público são melhores que as dominadas por automóveis
Por Marina Berhorn de Pinho
No começo de março, o cartunista americano Andy Singer veio ao Brasil, convidado pela Fundação Rosa Luxemburgo, para promover o lançamento de seu livro CARtoons – atropelando a ditadura do automóvel. Durante a sua estadia no país, o cartunista participou de eventos em São Paulo e em Salvador.
Veja a programação completa das atividades públicas e vídeo com registro da visita:
No lançamento do livro em São Paulo, que reuniu dezenas de ciclistas na Fundação Rosa Luxemburgo em Pinheiros, Singer explicou os diversos motivos pelos quais abomina carros. Um deles é o fato de automóveis serem fechados, impedindo contato com mundo. “Os carros nos isolam das outras pessoas. Quando andamos, pedalamos ou usamos o transporte público para algum lugar vemos e falamos com diferentes pessoas”, contou Singer.
Outro motivo que o americano citou é a grande poluição causada pelos automóveis. Essa poluição, explicou, não é só o que sai pelo escapamento mas também o pó dos pneus. O pó dos pneus é composto por partículas de pneus e discos de freios que preenchem o ar ao redor de avenidas, e é muito nocivo aos pulmões. “Os carros também poluem nossa água por meio de vazamentos de tanques de gasolina e de óleo. Carros e rodovias estão entre os principais causadores do efeito estufa!”, relatou Singer, argumentando que 40% das emissões causadoras do efeito estufa produzidas pelos carros não vêm do escapamento dos veículos e sim da produção dos automóveis.
Racismo e machismo no cicloativismo
Em Salvador, Singer também participou em 13 de março do evento “Carrocracia e racismo” na Casa La Frida (assista ao vídeo na íntegra). O coletivo La Frida é uma organização de cicloativistas negras que veem a bicicleta como ferramenta para a emancipação das mulheres. Elas organizam o projeto “Preta, vem de bike” que dá aulas de ciclismo para mulheres da periferia. Na Casa La Frida, localizada no Beco da Agonia em Salvador, mulheres também têm acesso a uma oficina de bicicleta, um bicicletário, um espaço para reuniões e uma cafeteria.
Apesar de carrocracia e racismo parecerem dois assuntos com pouca ligação, eles não são: “o debate sobre cicloativismo precisa passar por uma intersecção de raça, de classe e de gênero”, disse Christiane Gomes da Fundação Rosa Luxemburgo. Ela defendeu que só assim esse debate pode se politizar, saindo do circuito masculino e branco em que muitas vezes acaba restrito.
Leia também: Um negro Fórum em uma negra cidade, por Christiane Gomes
No evento, o americano teve uma conversa com a ativista Jamile Santana sobre a cultura automobilística, o racismo e o machismo. “É complicado eu chegar aqui e falar sobre o cicloativismo. É necessário, é fundamental, mas é muito complicado eu falar de cicloativismo sem fazer o recorte racial e de gênero, pois ainda somos poucas nesse espaço”, destacou Santana.
Ela também contou da difícil situação passada por mulheres quilombolas em Salvador. Muitas dessas mulheres negras e pobres precisam andar quilômetros para chegar a um transporte publico, e ainda usar esse transporte para chegar à feira. “Se tivesse a facilidade de a gente conseguir a implementação de bicicletas e bicicletários, de conseguir estimular o uso de bicicletas nesses espaços, seria de extrema importância”, defendeu a ativista.
Carros versus transporte público
No Brasil, a estimativa é de mais de 40.000 mortes em ocorrências com veículos por ano. Segundo dados do Observatório Nacional de Segurança Viária citados em reportagem da Folha de S. Paulo, o prejuízo é de R$ 56 bilhões por ano para o estado. Esse foi um dos assuntos discutidos no segundo lançamento do livro realizado em Salvador em 15 de março no Instituto Goethe. “Muita gente morre no trânsito e isso impacta diretamente nosso orçamento público”, detalhou Erica Telles, do coletivo Mobicidade Salvador. Um uso melhor para esse dinheiro? O transporte público. “Precisamos cortar os gastos de impostos investidos em avenidas e redirecioná-los para o transporte público”, sugeriu Singer.
O cartunista também lembrou que os espaços ocupados por ruas e estacionamentos afetam a arrecadação de impostos das cidades. Nessas áreas poderiam ser criadas propriedades que poderiam ser taxadas. Por fim, esses impostos poderiam ser usados para financiar escolas, segurança e a área da saúde. “Toda vez que vejo uma avenida ou um estacionamento penso no que existia antes nesse lugar ou no que poderia existir”, compartilhou o cartunista.
Singer não acredita que haveria menos empregos se o uso de carros diminuir. Para ele, o transporte público oferece bem mais vagas. “Carros são uma maneira ineficiente de transportar pessoas. Eles gastam espaço, tanto quando estão em movimento, quanto quando estão parados.” Ele também critica a ideia passada pela indústria automobilística que pessoas com carros são bem sucedidas e pessoas que andam a pé ou de bicicleta não são.
“A indústria automobilística esta fazendo promessas que não pode cumprir!”, afirmou o cartunista. Ele lembrou que produtores de carros defendem que combustíveis como etanol ou carros elétricos são a solução para todos os problemas relacionados ao uso de automóveis, no entanto, destacou que essas opções são, muitas vezes, inviáveis. Citou como exemplo o lítio usado na bateria dos carros elétricos. A demanda subiu com o aumento da produção, contudo não há quantidade suficiente do metal no mundo para equipar os novos veículos elétricos.
Cartoons e ativismo
Andy Singer começou a andar de bicicleta por ser artista e ter pouco dinheiro. Ele morava em um bairro cruzado por inúmeras avenidas, todavia, não tinha dinheiro o suficiente para comprar um carro. “Andar de bicicleta me levou a politica”, lembrou o cartunista. Ele foi transformando suas experiências como ciclista em um mundo de carros em cartoons, juntando sua paixão pela arte com seu cicloativismo (veja mais do seu trabalho em seu site, somente em inglês).
O livro CARtoons – Atropelando a Ditadura do Automóvel, publicado pelas editoras Autonomia Literária e Avocado, com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, mostra exatamente isso. No livro o cartunista critica de maneira bem humorada uma sociedade que prioriza os carros, com cartoons engraçados, mas que ao mesmo tempo levam a reflexão.
E será que o cartunista consegue imaginar um mundo sem carros? “O mundo não tinha carros até os anos de 1890…”, respondeu Singer, resumindo todas as vantagens que a bicicleta trouxe para a sua vida em uma frase: “A bicicleta me ajuda a atuar politicamente, ela ajuda a minha saúde e me ajuda a economizar dinheiro!”
Fotos: Verena Glass